Esporte sangrento

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Daniel sentia a brisa gelada enquanto o mar molhava seus pés descalços. Ainda era cedo, quase madrugada, mas o sol já começava a brilhar acima de sua cabeça, uma gigantesca bola amarela que tampava seus olhos.

Mesmo assim, ele gostava de erguer a cabeça e encarar o melhor amigo.

Nos últimos dois anos, Nicholas havia atravessado a puberdade como um corredor, crescido quinze centímetros e criado músculos nos braços, deixado os cabelos crescerem até abaixo dos ombros e feito uma tatuagem com a mãe na coxa — o único lugar onde Matt não veria. Em compensação, Daniel só tinha evoluído dez centímetros e ganhado cinco quilos, ainda que continuasse uma vareta. O pior era ainda parecer uma criança.

— Que há? — Nick perguntou com um sorriso orgulhoso. Depois de Greer e os esporros de Matt por estar "em castidade", Lola o apelidara de Víbora. — Contando minhas sardas?

— Já contei ontem. São trinta e sete.

— São tantas assim? — juntou as sobrancelhas. — Parece muito para uma só cara.

— São sim — e bonitas também. Eu gosto delas.

Nicholas parou e puxou a coleira de Kayla. Os longos cabelos loiros o faziam parecer um guerreiro nórdico, só faltava a barba.

— Por que você está olhando tanto para mim hoje?

— Porque... ahn, eu não sei — porque eu gosto de azul. Mergulharia nessa cor se pudesse. — Você parece um viking.

— Você parece um raio desse sol — ele apontou para a estrela que refletia no mar. — Deveria chama-lo assim, já que agora eu sou uma Víbora.

— Você sempre foi, Ni. É venenoso como o inferno.

— Não sou venenoso.

— Não comigo — o menino deu de ombros. Poppy latiu em seus pés. — Mas para um moleque de catorze, é uma cobra.

— Bom saber, raio de sol.

Eles subiram o relevo de areia e chegaram à calçada, já lotada de gente. Nos últimos meses, a praia havia se tornado um refúgio para os dois e quase todos os dias, às cinco da manhã, iam até lá passear com os cachorros. Era uma forte ajuda emocional para Daniel.

À medida que se aproximavam do centro, o frio diminuía, embora o garoto ainda sentisse os pelos eriçados.

— É muito frio em Arien? — perguntou, aleatoriamente. Nicholas coçou o queixo.

— Dois casacos, um manto e botas de couro ou você morre de hipotermia — o loiro sorriu. Estava sorrindo muito nos últimos tempos. — Mas é melhor que o mormaço que enfrentamos quase sempre.

— Parece ser legal.

— E é. Quero levar você lá há dois anos.

Na escola, havia uma pequena área para os animais dos professores, e deixaram seus cachorros lá, mordendo as próprias coleiras. A barra das calças de Daniel ainda estava molhada, apesar da longa caminhada.

— Ei, vocês dois! — Lola gritou assim que os viu entrar na sala. Ela havia se tornado mais alta e falante que a irmã e pintado os cabelos de cinza. Todo mundo melhora no pré-ensino médio, mas mama diz que não sou todo mundo. — Boa notícia!

— Seu pai te deixou comprar doces hoje? — Nicholas provocou.

— Ele não quer que eu tenha diabetes, sua víbora — a menina cruzou os braços. — Estamos terminando o fundamental, Nick, e vamos ter um fucking baile!

— Oh, ótimo — Daniel resmungou. Era uma parte da cultura americana que a escola fazia questão de absorver. — E você vai?

— Eu não sei. Não tem ninguém que eu ache interessante.

Saturno e o Astronauta Azul [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora