I01I - Sweney Pines

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Eles não deveriam estar longe.

Mesmo que o barulho dos ramos secos e enegrecidos pelo frio, estalando sob minhas botas, não fosse o suficiente para alerta-los, todo cuidado era pouco. Bastava um deslize, uma pedra escorregadia ou um tronco despercebido para minha posição ser delatada. Depois de correr por trinta minutos pela floresta, isso era tudo que não podia me acontecer. Então eu precisei me agachar, escondida atrás de uma rocha usando as poucas sombras da madrugada a meu favor.

Apertei os olhos tentado focar através da névoa gélida que descia da montanha, onde tinha escutado as vozes pela última vez. Não era uma tarefa fácil, a pouca escuridão da madrugada era auxiliada por nuvens tempestuosas, de forma que entre as árvores retorcidas e as rochas ocasionais ficava difícil discernir o que era o quê. Eu não podia me manter muito tempo agachada, meu joelho ruim já mandava alertas, no entanto era melhor garantir uma fuga rápida do que comodidade.

Quando finalmente consegui um vislumbre dos patrulheiros que me perseguiam, rodeei a rocha tentando ocultar minha presença da melhor forma que podia. Logo precisaria correr. A linha de árvores que marcavam o Limite de nossa vila com o resto do mundo se estendia mais a frente, a falha da cerca não era visível, mas eu sabia que estava lá. Afinal tinha passado três meses a forjando e garantindo que ninguém descobrisse.

Me preparei, conferi saco de mantimentos em minhas costas por precaução. Estava seguro. Iria conseguir.

Adeus Sweney Pines.

Disparei sem olhar para trás, podia escutar as vozes fazendo dueto com o som do meu coração. Eles haviam me visto, não importava. Não iriam me seguir depois da cerca, ninguém iria em sã consciência. Não quando estávamos tão perto do festival. Quando a besta começava a rondar os arredores a espera de seu mimo.

Algo estalou e não foram os galhos. Corri com mais intensidade, à vontade me fazendo ficar mais leve, pensei. Até me dar conta que não era apenas minha força de vontade. Levei em pânico uma das mãos as costas, constatando com horror que o saco tinha caído. Parei de correr abruptamente, não podia sair sem mantimentos, só Deus e os deuses menores sabiam o que me esperava fora do Limite e quanto tempo levaria para chegar até outra vila. Uma que não fosse repleta de pessoas vis em seus próprios interesses. Tinha que recuperar o saco, tinha que correr até a cerca. Tinha que despistar o destino.

Voltei correndo na direção que havia percorrido, não podia ver tudo com clareza, mas veria um saco em meio a rochas e galhos, torcia para que visse. Tropecei nele. Não perdi tempo, peguei a correia e tentei passa-la pelo ombro. Entendi porque o saco tinha caído, a correia estava rompida. Fiz um nó unindo as pontas da correia e a forcei para assegurar que estavam firme. Preparei-me para correr novamente quando escutei algo.

Não podia ser.

Um latido. Pânico gelado me imobilizou. Não, não, não. Eles tinham malditos cães consigo, o como era a questão, os animais deveriam estar dopados a aquela altura. Não tinha como eu ter errado na dosagem!

Alguém assobiou ordenando que o animal partisse em busca de sua presa. Eu era a presa. Corri para a linha de árvores novamente, os latidos se intensificando logo atrás de mim. Merda. O cão poderia me seguir depois da cerca, eu torcia para que o dono o chamasse de volta, ele não iria querer perder o animal em uma caçada infrutífera. Mas se não o chamasse teria que preocupar em salvar a minha pele mais cedo do que o planejado. O peso da faca de caça em minha cintura pareceu reconfortante.

Logo consegui ver a cerca e a falha escondida atrás de folhas secas. Senti o indicio de um sorriso tocar meus lábios e por uma inconveniência do destino outro estalo estanho. Meu braço de repente queimava e antes que pudesse levar uma mão até ele, um peso se jogou contra mim, derrubando-me. Era o cão. Gritei tentando manter o animal longe de mim, suas patas arranhavam freneticamente minhas roupas pesadas. Era o fim, pensei.

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