I30I - Dominância

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O Lobo intercedeu. Foi uma surpresa. Meu desafio tinha sido formalmente conhecido e acertado para o dia posterior. Não houve contestações, a pilha de corpos e o sangue no chão deveria ser um ótimo incentivo. Depois que todos deixaram o salão carregando os inconscientes, ele se dirigiu exclusivamente a mim.

- Parece que descobriu algo interessante. – Falou.

Caminhei até ele evitando as manchas de sangue e alguns dentes ocasionais.

- Pensei que só pudesse aceitar um desafio no meu lugar. Porque não me jogou aqui mais cedo? – Perguntei, cruzando meus braços enquanto me inclinava em sua direção. Tinha que testar minha descoberta.

Uma vela foi assim que projetei a magia que sentia, livrei-me dos insetos, pesos ou agulhas, transformei aquela sensação em algo tangível e manipulável, uma vela foi minha resposta.

Depois que encontrei algo tangível, imaginei sua chama como a fonte do poder e tentei sopra-la, a chama se esvaiu e inesperadamente voltou a se acender com mais intensidade, a vela tinha se transformado em uma fogueira.

Um sorriso de deleite tomou conta do rosto do Lobo. Reconheci meu erro, mas já era tarde para recuar.

- Não vai funcionar. – Disse erguendo o braço para segurar meu queixo, seus dedos se prenderam e me puxaram para perto. Vacilei e tentando não cair sobre ele apoiei as mãos nas laterais do seu trono. – Aysha, minha querida e inteligente Aysha, ocorreu mesmo que poderia usar sua Dominância contra mim? – Sua voz soava divertida e aquele sorriso idiota aumentou.

Tentei desviar meu olhar, mas era impossível. As chamas decadentes das tochas lançavam um brilho alaranjado sobre nós, tornando seus olhos mais impressionantes e o que, para que, rezei ser capaz de cobrir o rubor em meu rosto.

- Poderia ter me dito. – Reclamei, conseguindo virar meu rosto. – Poderia ter me dito como usar isso. – Complementei tentando me afastar. Ele ergueu sua segunda mão para tocar meu pescoço, depois dedilhou seus dedos até a costura de ombro da bata que eu estava usando, então agarrou o tecido e puxou para baixo, rasgando a manga da peça e revelando as ataduras em meu braço.

- E teria funcionado? – Perguntou, seu sorriso desaparecendo por completo, sua voz voltou a ficar dura. – Recusa minha ajuda a cada oportunidade que tem. – Disse, referindo-se agora aos cortes que ele via a desatar as ataduras. Ele chiou quando levantou meu braço e viu que boa parte dos cortes estavam infeccionados. Então inesperadamente soltou meu rosto, agarrou minha cintura e me puxou, colocando-me sobre uma de suas pernas com um braço firme me prendendo ali.

Protestei, mas sua voz cobriu a minha.

- Não basta ser Dominante. – Afirmou, erguendo meu braço para examina-lo melhor. – Precisa confiar em si mesma. – Disse, molhando a manga que tinha arrancado em sua boca. – Usar sua Dominância para que ninguém a sobreponha. – Continuou, passando o tecido úmido com cuidado nos cortes que magicamente foram fechando. – Então deixei que descobrisse por mesma. – Disse por fim, começando a repetir o mesmo processo no meu outro braço.

- É Dominante sobre todos eles. – Afirmei, tinha sentido sua magia abafar a de todos os outros Licans durante a luta. – Porque eles o desafiam?

- Porque o conhecimento é uma dadiva de todos, mas o discernimento um dom de poucos. – Respondeu suavemente, algo havia mudado em sua expressão quando falou. Desejei saber o que. - Dominância não é algo para os fracos, se falhar em sua confiança, se duvidar de seu poder, seu inimigo encontrara uma brecha e sobrepujara você.

Sobrepujar. Teria sido a Dominância do Lobo o poder que fez Barno - o Lican que o traíra e que havia tentando me matar - se encolher e aceitar a morte sem lutar? O pensamento gelou meu corpo.

- É o fator surpresa, não é? – Perguntei, arriscando minha teoria. – Ninguém vai esperar que uma humana tenha esse poder, então perdera sua confiança e com isso a Dominância sobre mim. Por isso não pode enfrentar seu alvo cara a cara, ele é mais forte do que você, o conhece.

Ele apenas me olhou suavemente, deixando meus braços curados repousarem, não esperava que eu descobrisse seu plano, não agora. Então você também me subestimou? Senti vontade de perguntar, mas não o fiz. Enquanto seus olhos vagavam por meu rosto algo disse para que eu testasse novamente meu poder, o escutei, mas invés de apagar a chama da vela com um sopro, eu a engoli.

Instantaneamente senti a rachadura da caixinha aumentar, ganhando mais espaço do que quando perdi o controle surrando Ângela. Novamente a fome se apertou em meu estomago e pela primeira vez me ocorreu que aquela fome não era física, era de outra coisa. Um desejo primitivo e brutal que se apertava em meu interior, algo impossível de ser contido, algo que já estava em seu limite. Em me inclinei sobre o Lobo, saboreando aquilo, saboreando sua confusão.

Dei-me mais, a coisa pedia, poder, beba o poder.

Eu não sabia como beber, nem sequer se aquilo não passava de um delírio. Minhas mãos tocaram o Lobo, subiram por seu corpo quente, detendo-se em seus ombros, meus indicadores acariciaram seu pescoço.

- Aysha... – Ele arquejou, dessa vez seus olhos eram os capturados, tão bonitos, pensei... – Volte, essa não é você...

Tive a impressão de já ter escutado essas palavras, mas eu não me importei, continuei me aproximando, precisava de mais.

Sua respiração estava entrecortada, ele não sabia o que se passava em minha mente. Aproveitei a ironia da situação e ergui uma de minhas mãos para segurar seu rosto.

Parece que trocamos de lugar, Lobo.

- Aysha. – Ele chamou novamente. - Pare.

- Não me dê ordens. – Falei, minha mão escorregava até seu pescoço. Ele a segurou rudemente e se inclinou também, desafiante, nossos lábios estavam tão próximos que apenas uma linha imaginaria os separava.

Afundei meu rosto na curva do seu pescoço e inspirei, podia sentir o cheiro do suor, do sangue e de algo a mais, talvez flores, o mesmo cheiro que havia sentido quando um solavanco me jogou sobre ele na estrada da Cidade do Leste.

Repentinamente suas mãos foram até meus ombros e me empurraram o suficiente para que eu levantasse os olhos e visse a indecisão, o controle vacilante e o desejo em seu rosto.

- Pare ou eu a tomarei aqui e agora, e você não vai querer que seja gentil. – Disse entredentes, para provar seu ponto ele me puxou pelo quadril até que eu estivesse sobre ele, o sentindo.

Uma cor que eu tinha certeza que nenhum truque de luz apagaria se apossou do meu rosto e me fez recobrar a consciência. Saltei do trono, arfando enquanto buscava apoio em um dos pilares.

Envergonhada demais para falar e até mesmo fugir tentei organizar meus pensamentos, quebrando o silêncio com a coisa mais estúpida que pensei.

- Vai devolver a minha faca? 

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