I56I - Trapaça

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Assim que o Lukoi nos deixou desaparecendo em um corredor a nossa frente, Raymond segurou um de meus braços me forçando a parar. Pude sentir a tensão em seu corpo apenas pela forma que me tocou.

O Lukoi não tinha designado nenhuma escolta para mim, sua arrogância certa de que eu não era uma ameaça ou de que não partiria provinha de dois fundamentos, o primeiro, ele sabia pela reação que tive diante da plataforma de execução que não deixaria Raymond ou Elikham para trás, o segundo, tínhamos sentido o nível de poder um do outro.

- Por que em nome de todos os deuses veio até aqui? - Indagou Raymond, a voz cheia de raiva, mas calculadamente baixa. Como se desejasse que os ouvidos do Lukoi não pudessem mais nos alcançar quando nós dois sabíamos que alcançavam.

Olhei para ele desejando lhe dar alguns tapas.

- Que escolha tive? Pensei que ele iria matá-lo, até porque você numa me falou das suas estritas relações sanguíneas com o seu alvo. - Respondi, minha voz adquirindo o tom mais suave que consegui, não era o momento para discussões, apesar de que eu certamente gostaria de ter uma. - Você prometeu que não haveriam mais segredos entre nós.

Ele comprimiu os lábios por um momento e quando voltou a falar sua voz tinha adquirido o tom normal.

- Não era um segredo Aysha e isso não muda nada. Renunciei a qualquer laço de sangue que já tive com Drivand Haldegar quando ele encomendou o assassinato da minha mãe.

Senti minha testa franzir antes que minha mente fizesse as conexões, a história sobre o casal na casa da montanha, a mulher amável que morreu no andar superior, o homem odioso que criara os sacrifícios como uma vingança pessoal para punir os descendentes dos criados envolvidos com o falso acidente encomendado por seu inimigo.

- Quer dizer que na sua história o homem odioso era o seu pai? - Perguntei, pensando em como a ideia nunca tinha me ocorrido enquanto era obvio. Como ele saberia de tudo com tanta convicção senão dessa forma?

- Sim. - Respondeu e algo em sua expressão pareceu o tornar distante.

Por um momento ficamos em um silêncio constrangedor, apenas ouvindo o estalar das tochas que iluminavam o corredor.

Eu não sabia se deveria oferecer palavras de consolação ou algo similar. Por muito tempo tratei Raymond como meu inimigo pessoal, porque no fim eu tinha acreditado que ele era tudo que eu temia, não só uma espécie de algoz que podia roubar minha liberdade, mas alguém que me trairia se eu confiasse meu coração e meus sentimentos, mostrasse minhas vulnerabilidades e pensamentos obscuros.

- Aysha, você precisa ir embora. - Falou quebrando o silêncio. Uma urgência que eu nunca tinha visto preencheu sua voz. Identifiquei o que era como se provasse o sabor em minha língua: medo.

- Não vou sem você. - Afirmei, trocando o peso de pé, me movendo para aliviar minha própria tensão presa em meu corpo, para ocultar o que se passava em minha mente.

Eu sabia que estava carregando poder demais e que a ambição Liones era como um faminto saco sem fundo, sempre desejando mais. August, o meu pai, me alertara sobre isso na história que contou.

Com o meu poder atual eu sabia que não podia lidar com o Lukoi e isso irritava a Liones em mim, que se sentia prejudicada, roubada e desafiada. Podemos ir além, podemos ter tudo.

- Você não entende, está fazendo exatamente o que ele quer. O Lukoi não ira me machucar, mas você tem que partir agora. - Disse Raymond.

- Como pode ter tanta certeza disso? - Perguntei. - Ele estava prestes a executar Elikham e você... iria mesmo permitir? - Perguntei, lembrando-me que ele havia pedido para que eu não intervisse.

- Elikham sempre soube dos riscos. Se mostrarmos compaixão ou fraqueza diante do Lukoi, ele transformara o objeto de nossa simpatia em uma amarra para ter controle. Uma morte rápida era o melhor que podíamos fazer. Não se engane, Drivand não poupara Elikham, seu senso de lei e justiça deturpado o impedem.

- Acredito em você. - Falei alcançando sua mão, tocando a pele cálida. - Escute, tem uma forma de sairmos daqui, você só precisa...

Não terminei, não quando vi uma das tochas no fim do corredor se apagar como um aviso silencioso. Meu pai não havia dito que eu não poderia falar para Raymond sobre o nosso acordo, mas uma trapaça era uma trapaça e Eksean estava de olho.

- Confiar em mim, vamos passar por juntos. - Garanti.

Ele sorriu e eu me senti um pouco mais segura de que o acordo fosse funcionar, eu só precisava encontrar a oportunidade certa. Que com certeza não seria no corredor da fortaleza com o nosso inimigo provavelmente nos ouvindo.

Fechando os dedos sobre a mão que eu estava segurando, ele me puxou para mais perto, até que nossos corpos estivessem colados um no outro. Apesar da nova aparência, seu cheiro permanecia o mesmo, flores e algo que eu não podia identificar. Deslizei uma das minhas mãos por seu cabelo, sentindo os fios macios passarem pelos meus dedos até que o comprimento terminasse próximo às orelhas. Depois coloquei meus braços sobre os seus ombros e juntei minhas mãos atrás de seu pescoço.

- Gosto de como seu cabelo ficou, mas imagino que a ideia de cortá-lo não tenha sido sua. - Comentei.

- Sempre perspicaz, Senhorita Nowak. Uma simpática criada achou que estava difícil lavar o sangue seco da minha cabeça, então teve a ideia de cortar o meu cabelo enquanto eu estava desacordado.

Eu fiz uma careta.

- Criadas lhe deram banho? - Perguntei, tentando arquear uma sobrancelha sem sucesso.

- Mais de uma vez.

- Está tentando me fazer sentir ciúmes?

- Exatamente.

- Por quê?

Ele riu, uma risada curta e sem humor.

- Porque quero ter certeza que você me ama o suficiente para ficar aqui e enfrentar o Lukoi, de que não vai se arrepender da sua decisão. Não sou tão forte quanto pensei, Aysha.

Eu o beijei, empurrando seu corpo para a parede mais próxima, reclamando seus lábios, depositando toda a esperança de salva-lo, todo o meu amor.

Esperei sombras nos envolverem e nos transportarem para um lugar seguro, mas nada aconteceu. Invés disso fui agraciada com a visão da última pessoa que esperava encontrar aqui. 

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