Eu me descobri indo para casa.
Porque mesmo que tenta-se argumentar que Naila e os patrulheiros não tinham sido atacados pelo o Lobo e mesmo que Kiros confirma-se minha versão dos corpos, ninguém acreditaria em mim. Não com as macieiras mortas. Aquilo seria o maior sinal que a besta estaria descontente. E tinha sido tudo porque eu o feri, era a única explicação. Então fui para casa, me lavei, comi até meu umbigo estufar e depois me sentei em minha cama e abracei meus joelhos.
A imagem nítida de patrulheiros arrombando minha porta e me arrastando até Viremont dançava em minha mente. Naila iria falar quando recobrasse sua lucidez, ela teria me visto o cortar? Eu tinha lavado a faca. Estava tão ferrada de qualquer forma que nem me preocupei mais com meu plano de fuga.
Acabei adormecendo e acordei com Sweney Pines mergulhada em caos. Viremont tinha conseguido com que antecipassem o sacrifício para essa noite. Os preparativos estavam sendo organizados as pressas.
Petra tinha batido em minha porta, ela carregava um cesta com as tiaras que fizemos juntas, ela me entregou a minha e me desejou boa sorte, a puxei para dentro e contei tudo. Eu precisava contar ou me afogaria em culpa. Vi sua expressão de choque e descrença estampada em seu rosto delicado quando cheguei na parte do Lobo. Ela disse que eu tinha tido sorte por estar viva, sorriu e foi embora, tinha que entregar o restante das tiaras. Ela não havia acreditado em mim, não a culpei.
O dia passava e eu sabia que podia ser o meu último. Comi novamente e trabalhei a tarde toda em unguentos, pomadas e xaropes. Meu pai tinha sido boticário antes de se estabelecer em Sweney Pines, ele tinha vindo atrás das famosas maçãs e suas propriedades 'milagrosas' quando se apaixonou por minha mãe, se ela ainda tivesse os pais eles não teriam aprovado. Tudo que sabia tinha aprendido com ele, ele não concordava em deixar alheia a maioria das coisas por ser uma menininha. Levaria os medicamentos para Ethan, ele era meu maior comprador, seriam um presente caso fosse escolhida. Eu torcia mais que nunca para ver o dinheiro.
Por fim me lavei novamente, amarrei meu cabelo no topo da cabeça e vesti as melhores roupas que possuía, eram masculinas é claro. Se fosse morrer queria que todos se lembrassem de mim na minha melhor forma, eu não choraria ou imploraria. Ficaria de queixo erguido, bem até ser escoltada para fora do Limite, depois de lá não garantiria nada. Como todos os anos escondi minha faca de caça amarrada na minha coxa, me custaria pega-lá, mas pelo menos a teria. Coloquei a tiara em minha cabeça e os medicamentos em uma cesta.
O céu do entardecer me cumprimentou em cores alegres e vibrantes, não deveria ser assim. Em algum lugar havia música em outro orações. Eu podia sentir o olhar das pessoas em minhas costas como alfinetes. Se elas descobrissem o que fiz, que feri seu deus bestial elas me olhariam ainda pior. Era doente, era Sweney Pines.
Bati duas vezes na porta de Ethan antes de entrar.
- Estou nos fundos. – Ele gritou, estar nos fundos queria dizer que ele estava com um paciente. Antes de seguir fui até o espelho que ficava na sala, poucas pessoas tinham espelhos, eram extramente caros porque boa parte não sobrevivia à viagem. O espelho era pequeno e oval com bordas de madeira talhadas, passei um dedo pelas formas abstratas e depois me encarei. Se fosse definir meu rosto em apenas uma palavra diria agradável, não havia nada excepcional nele, mas era um rosto que você suportaria ver o dia todo. Meus olhos eram grandes e adornados por cílios curvados, eles pareciam cansados. Meus lábios medianos estavam rachados e pálidos como se não houvesse sangue o suficiente para os colorir, minha pele era corada e três tons mais escuros do que o comum. Eu passava muito tempo no sol, mas a verdade era que tinha herdado a cor do meu pai. Minha mãe era tão pálida quanto qualquer outra mulher da vila. Os ossos do meu rosto estavam saltados o que era preocupante, eu tinha pernas fortes e quadril largo, mas estava mais magra do que o indicado, isso não me agradava. Ajeitei a tiara em minha cabeça e segui para os fundos. Uma cortina encardida demarcava o lugar.
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Vermelho
WerewolfEscolhida como o próximo sacrifício de sua vila, Aysha terá que lidar com a enigmática figura do Lobo e com os perigos depois do Limite, a divisão do seu mundo fechado com o vasto desconhecido. Dotada com uma misteriosa voz interior que a assombra d...