I39I - Tratado

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De repente comecei a sentir que a carruagem estava pequena demais para nós dois. E como pular estava definitivamente fora de cogitação, continuei observando a cidade.

Não demorou para que minha atenção fosse facilmente capturada pelas construções geométricas de pedra, madeira e metal, obscurecidas pelo tempo. Pelas ruas estreitas e fartas de pessoas transitando de um lado para o outro com expressões sérias em seus rostos. Os estandartes com pinturas de flores de macieira podiam ser vistos em todos os lugares, um contraposto tão delicado que parecia fora de sintonia com os guardas armados. E havia o ar, ainda que eu o respirasse facilmente como qualquer outro, ele era denso, impregnado com alguma energia ou poder. Não me admirava que as pessoas fossem tão carrancudas.

- Me fale sobre o tratado. - Pedi, aproveitando nosso recém acordo e mudando definitivamente o teor de nossa conversa. 

- O que sabe sobre as Casas Antigas? - Perguntou. 

Pensei um pouco a respeito, as Casas Antigas eram um mito tão ancestral quanto os Deuses Menores. Meu pai havia me entretido com histórias fantásticas e Viremont, o sacerdote de nossa vila, as distorcido usando-as como avisos para quem ousasse pensar em transgredir seus ensinamentos. 

- Não muito, tudo que escutei foram mitos, que as Casas Antigas eram a representação das raças existentes no Continente . - Falei, ou a manifestação dos pecados, segundo Viremont. 

- Não está errado, com a exceção de que não são mitos. - Corrigiu-me. - As Casas Antigas repartiram o continente depois de séculos duelando por territórios. O Tratado foi a manifestação de uma trégua secular, assinado depois da derrota da Casa Liones. Um Líder supremo de cada Casa assumiu um território principal, uma linha do Continente e o repartiu dividindo o poder com Mestres menores, paramos de duelar e crescemos nossas cidades. 

- Quem era a Casa Liones? - Perguntei, pensando por um momento que o nome não era estranho, deveria tê-lo escutado das histórias do meu pai. 

- A menor das doze, mas seu poder era uma ameaça tão grande que uniu as outras com o mesmo proposito de destrui-los. 

- Não me pareceu uma luta justa. - Comentei. Um contra onze, diferentes raças lutando, eu conseguia imaginar campos de carnificina com isso. 

- E não foi, a vitória só esteve ao lado das outras casas quando um Lione lutou contra seus iguais, se não fosse por ele o resultado da guerra poderia ter sido diferente. - Disse.

- O que teria acontecido se os Lione saíssem vitoriosos? - Perguntei, sentido uma agitação estranha em meu coração. 

- Quem sabe? - Ele soou cauteloso. - Liones eram alimentados pelo sangue e poder, consideravam as outras casas  indignas de liderar.

- Disse que o Tratado esta para acabar. - Considerei. - Eles voltariam para se vingar? 

- Voltariam se tivessem permitido no final da guerra que algum deles permanecesse vivo. - Disse.

- Então mataram todos indiscriminadamente? - Falei, sentindo uma raiva aguda pinicar minha pele, imaginei a injustiça daqueles que tinham sido caçados e mortos apenas por pertencer a Casa. 

- Se trata o inimigo com piedade e devolve a chance dele viver o hoje, da a oportunidade de no dia seguinte ele tirar sua chance de viver o amanhã. - Proclamou, olhando a paisagem por sua janela. Tínhamos deixado a parte movimentada da cidade para trás. - Pode considerar nossos métodos cruéis, sei que considera os meus. - Ele voltou a analisar o meu rosto. - Não me arrependo de nada que fiz a você, isso a tornou mais forte, mais esperta. A forçou a encontrar soluções em situações complicadas e mostrou o seu caráter. É determinada, curiosa, inteligente e forte, despertou sua dominância sozinha. - Ele fez uma pausa, demorando-se novamente enquanto me olhava, tive a impressão de que procurava algo. - O mundo fora dos limites que disse querer conhecer não é bom, verá com seus próprios olhos. Somente os fortes tem o direito de ter a vida que desejam, os fracos e ingênuos são engolidos por esse mundo. 

Desejei refuta-lo, mas alguma parte de mim concordava com ele. Força era tudo que importava no mundo que eu estava acostumada a viver.

- Então mantenha as aparências Senhorita Nowak. - Pediu, se referindo ao fato de que eu era, mesmo contra a minha vontade, sua noiva. - Pois os jogos na cidade são mais perigosos do que qualquer criatura que já tenha enfrentado. 

- Então é por isso que viemos até aqui? - Perguntei, referindo-me a Cidade do Norte. - É onde o seu inimigo está? 

- Não, mas é o próximo passo até ele.

- Que é? - Perguntei com ênfase.

- A transformar em uma noiva apropriada. - Disse, desfazendo um pouco da sua expressão séria, rolei meus olhos.

- Pensei que todos aqueles vestidos e roupas espalhafatosas tinham servido de algo. - Falei, cruzando meus braços.

- Precisei de um pretexto para levá-la até a Cidade do Leste. - Confessou. 

- Então conseguir um favor de Kohina sempre foi seu plano principal. - Constatei, o que definitivamente explicava toda a sua calma quando fomos 'raptados' pela Mestre da Cidade do Leste. 

- Foi uma etapa.

- Sei. Seu plano é matar o mestre que causou prejuízos para o homem de sua história. - Falei, não sabendo como me sentia a respeito disso. Todas as vezes que eu tinha lutado foram para me defender.

- Como já lhe revelei é uma promessa. - Disse, soltando o ar. - Chegamos.

Olhei pela janela, vendo o cocheiro descer e abrir portões metálicos que davam para um curto caminho de cascalho branco até uma casa de dois andares com amplas janelas retangulares de molduras brancas. 

Descemos quando  a carruagem parou novamente em frente a fachada da casa. Sem dizer uma palavra ele me puxou, jogando-me sobre seu ombro.

- Mas que infernos é isso agora? - Gritei, enquanto ele caminhava pelos degraus até as portas duplas da entrada. - Não pode fazer isso sempre que quiser... - Falei, escutando as portas serem abertas e ouvir nada menos que meia dúzia de vozes falarem ao mesmo tempo.

- Bem vindo, Mestre Mondavarius.  

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