I32I - Instinto

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Foi o gosto, e não as vozes, que primeiro despertou meus sentidos. Metálico e doce, escorrendo lentamente, uma umidade reconfortante atrás da minha cabeça.

Ar, minha mente lembrou desesperadamente, precisava de ar, mas eu o tinha, tragava desesperadamente entre meus lábios. Não havia dedos em meu pescoço, não havia pés suspensos. 

Estava no chão, sem noção de tempo, sem noção de quem era o sangue escorrendo. Somente a dor percorrendo todo meu corpo, lacerações e contusões. Meu corpo era pura dor, como se algo estivesse fora do lugar ou não pertencesse ao conjunto dos meus ossos, carne e pele. 

A consciência tinha as despertado e havia esse algo mais, aquela outra coisa que  eu não sabia o que era...magia, poder ou Dominância. Palavras guturais jogadas no vento. E entre elas, em um sussurro duas eram forçadas repetitivamente: Levanta, Aysha. Levanta. Tentei me mover, tentei reconfortar aquela voz, porque eu não podia dar o que pedia, meu corpo estava destruído, minha consciência por um fio de se partir e não haveria outra chance. 

Céus, o sangue era meu, é claro.

Sem descanso para os covardes, zombou a caixinha, mas até a sua voz era fraca em consideração as demais. Tentei concentrar o restante da minha atenção nelas, mas fui parada, erguida por mãos pesadas, empurrada e ajoelhada na frente do Lobo por dois outros Licans que sustentavam meu corpo segurando meus braços. 

- Ela matou a Dímios. - Rosnou um deles, seus dedos apertavam furiosamente minha pele lançando mais um pouco de dor no turbilhão que eu sentia.

- Furou o desafio e trapaceou com bruxaria. - Disse o outro, com uma voz grave. - Condene-a Mestre. 

Tentei erguer meu rosto para ver o Lobo, protestar, mas a dor me deteve de forma que tudo que vi foram o indicio de suas botas cruzadas.

- Fale, porque matou quem não era seu oponente? Porque desistiu do desafio? Mulher tola e estupida. - Disse. Um bloco de gelo teria tido mais simpatia na voz.    

- Kay... - Sussurrei, tentando formular uma resposta coerente. 

Houve uma pausa, um momento de silêncio antes que ele o chamasse e nenhuma resposta. Lutei contra a dor, contra a exaustão e a provável tentativa da minha mente em me levar para a inconsciência novamente. 

- Ângela o pegou e ameaçou mata-lo, caso eu ganhasse. - Consegui dizer. 

- Mentirosa! Bruxa mentirosa! - Disparou o Lican que segurava meu braço esquerdo, se os seus dedos quase perfurando minha pele já não fossem o suficiente, ele esticou meu braço para trás, a tentativa de desloca-lo recolocou o osso com mais seguridade da qual eu tinha feito no lugar. 

- Basta! - Disparou o Lobo. - Encontrem Kaydor! Todos vocês, saiam agora e procurem Kaydor. Procure-o Tarduen.

Tarduen, que aparentemente era o Lican a minha esquerda soltou meu braço, o movimento foi o suficiente para que meu corpo pende-se em direção ao chão. Pelo visto, Ângela tinha seus apoiadores. O pensamento me fez virar a cabeça para onde seu corpo deveria estar, mas o que prendeu meus olhos foi o corpo de Turvan no chão, o Lican que minutos atrás estava com os dedos em meu pescoço encontrava-se inconsciente no chão.

Mas que porr...

De nada, escutei a voz da caixinha.

- O que fez? Maldições o que fez? - Questionei, lembrando-me da sensação incomoda em meus ossos, do gosto em minha boca.

Bruxa, os licans haviam falado, porque não havia nenhuma maneira de eu ter me livrado de Turvan, sabia disso, tinha aceitado minha derrota no momento que mirei em Ângela.

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