I07I - Fora do Limite

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Aysha Nowak feriu o Lobo.

As palavras de Petra ecoaram em minha cabeça repetidas vezes até a sensação de sangue em meus dedos parecer tão real que tive de olha-los. A garota do meu lado soltou minha mão e se afastou. Uma ação inteligente.

Encarei Petra, a bela e inocente Petra, que era apaixonada por Kiros desde que era uma garotinha, que corria atrás de nós como um cãozinho ferido, com seus longos cabelos loiros e olhos sem vida. Ela desviou seu olhar do meu.

- Essa é uma acusação muito grave. – Viremont falou para Petra, depois me olhou e seu olhar me disse tudo. Ele estaria do lado dela.

O silêncio retumbou como água parada. Eu podia negar, podia acusar Petra de insanidade e me safar. Quem realmente acreditaria que uma garota pudesse ter feito algum dano em um deus pagão? Mas então havia Kaila, ela tinha visto o Lobo, eu tinha chegado com ela à vila onde todos pensavam que o Lobo tinha feito o ataque.

Olhei para Tina Varesen, a esperança se acendendo em seus olhos verdes.

- Isso é verdade Aysha? – Viremont perguntou a mim. Ninguém contestou, ninguém se quer respirou aguardando minha resposta. Bem, tínhamos um feito histórico aqui.

Engoli em seco e olhei para Petra novamente, porque chorava? A traição doía tanto assim nela? Realmente eu tinha pensado que poderíamos ser amigas, que éramos amigas. Sempre sendo uma tola Aysha, quantas vezes precisa ser traída para aprender? Certamente essa seria a última. O ar em meus pulmões se tornou insuportável e eu tive que respirar.

- Sim, é verdade. – Respondi.

- E como fez isso? – Viremont questionou, múrmuros se formaram na plateia.

- Eu o cortei, com uma faca. - Alguma outra pessoa deveria estar falando por mim. Porque eu não estava mais ali, estava olhando para pelos negros e olhos infernais que diziam 'Ainda não, quem sabe em breve'. O breve tinha se tornado o agora.

Viremont falou alguma outra coisa, mas eu não estava mais ouvindo. Mãos me sujeitaram e me levaram para fora do palco. Minha mente teve um apagão porque quanto tomei consciência de novo estava na cela da detenção, agarrando as barras como se minha vida depende-se disso. Eu estava afundando, afundando no pânico e no medo da hora seguinte.

Ninguém veio me ver. Nem mesmo Kiros. Petra tinha conseguido o que queria afinal.

Quando minha hora acabou, os patrulheiros de guarda me levaram para fora. O vento gélido combinava com a temperatura do meu sangue. Eu levantei minha cabeça e deixei uma máscara de calma transparecer em meu rosto. A calma dos mortos. Não respondi aos insultos ou maldições. Não olhei para as pessoas, não escutei o quanto meu sacrifício seria celebre para minha alma imortal. Dispensei a ajuda das Ilegíveis para vestir a capa vermelha, a capa que simbolizava o sacrifício. Puxei o capuz sobre minha cabeça e abri minha boca.

- Espero que um dia seus pecados cobrem o preço. Estou pagando pelos meus agora. – Minha voz era alta quando falei, eu esperava que eles se lembrassem disso, que lembrassem de mim em vermelho sangue quando suas horas chegassem.

Era isso. Marchei sobre meus próprios pés o caminho até o portão. Bonitas fitas farfalhando nas árvores com o vento. Tochas banhando o caminho em amarelo até a escuridão sem fim do Limite.

Os portões foram abertos. Eu hesitei, minha respiração se tonou rápida e minha máscara pendeu. Me senti novamente como se tivesse seis anos, vendo meu pai acenar para mim do outro lado da cerca. Eu não acenava de volta. Agitava as mãos tentando o chamar, tentando o alertar, mas não acenava. Ele demorou muito para entender. Tempo era vida.

Eu não queria sair. Quase me virei, quase desmoronei e implorei por minha vida, eu rastejaria se fosse preciso. Mas então um patrulheiro tocou meu ombro, me empurrando para continuar e o resumo de todas as garotas anteriores passou em minha mente. Elas choravam, imploravam e rastejavam e nada disso importou, por fim todas foram jogadas para fora e deixadas lá a sua própria miséria. O patrulheiro tentou me empurrar novamente, bati em sua mão e continuei até o fim sem olhar para trás.

Escutei quando fecharam os portões atrás de mim e continuei andando. Andei até parar cansada, com sede e completamente perdida. Não me lembrava de ter passado no ponto dos membros decepados. Ou os animais selvagens já tinham os arrastado para suas tocas ou Kiros tinha voltado com alguns patrulheiros para recolher os membros. Eu apostaria na segunda opção, mesmo que não estivesse tendo muita sorte com apostas ultimamente.

Tirei a capa e a joguei na escuridão do acostamento, meu segundo plano, aquele que sempre cogitei e repassei em minha mente antes de dormir era não ser devorada por nenhum deus pagão e se o objetivo era ser chamativa eu o dispensaria. Encostei minhas costas em uma árvore e peguei minha faca de caça. Se fosse morrer garantiria de morrer tentando.

Mesmo sendo restringida pela copa das árvores, a luz da lua ainda me garantia alguma visibilidade. Subi em uma árvore e esperei. Arranquei flor por flor da tiara enquanto esperava, uma flor para cada Elegível. Pensei novamente em Naila e seu braço pela metade, talvez tivesse mais coisas para me preocupar do que apenas o Lobo.

Um uivar distante me fez esquecer dessas coisas rapidamente e também me fez quase cair da árvore, se no último segundo não tivesse agarrado o galho a qual estava sentada com uma das mãos.

- Precisa de ajuda? – Uma voz desconhecida perguntou, dando-me um ultimo susto.

Eu soltei o galho e cai no chão ou teria caído se não houvessem braços embaixo de mim para me segurar. Me separei desses braços tão rapidamente que fui parar sentada sobre os joelhos no chão. O homem que havia me segurado se agachou a minha frente.

- Você esta bem senhorita? Parece assustada e afinal o que uma garota a de fazer aqui na floresta sozinha?

Olhei para ele. Meu cabelo em algum momento havia se desprendido, os cachos adornavam meu rosto escondendo meu olho esquerdo. Mesmo agachado ele era mais alto, tive que levantar meu rosto para ver seus olhos, a lua iluminava os contornos de sua forma fracamente. Eu não podia ver a cor dos seus olhos ou os traços de seu rosto, mas tive a vaga sensação de já ter o visto.

Ele sorriu, um sorriso paciente que queria dizer mais do que aparentava.

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