Ajeitei a venda em meus olhos de forma impaciente.
—Ei, fique quieta! Assim vai estragar toda a surpresa!
—Mas Nikki...
—Sem mas. Estamos chegando, prometo. –ela diz, arbitrária.
Recostei a cabeça no banco do carro, um pouco irritada. Não me importava com supresas, mas vinte minutos vendada já era demais para mim.
Finalmente, o carro começou a desacelerar. Um alívio percorreu meu corpo e sorri como uma criança quando Nikki estendeu a mão para me ajudar a sair do mesmo.
—Certo, posso tirar isso agora?
Um silêncio absoluto tomou conta do lugar.
—Nikki?
Sem resposta, outra vez. Puxei o pano dos olhos, olhando para os lados em busca da minha melhor amiga. Mas não foi sua figura que entrou no meu campo de visão quando virei de costas.
—Jack? O que você está fazendo aqui? Cadê a Nikki?
—Ela está um pouco mais a frente, nos aguardando. –ele responde, segurando minha mão e iniciando uma caminhada.
—O que isso tudo significa, afinal?
—Bom, eu reparei que você ainda não está totalmente bem. E decidi que, além de distrair sua cabeça, precisa recuperar sua esperança.
—Ok, e então armou com a minha melhor amiga para me colocar vendada em um carro e me trazer até aqui, que aliás, ainda não sei onde é? –questiono, o encarando.
—Sim, exatamente isso.
—Por quê?
—Porque você merece descanso, Turn. Precisa se divertir, sorrir e aproveitar seu dia, sem que esteja constantemente preocupada com um bando de idiotas.
—Não é tão simples. –suspiro.
—É quando eles estão longe o suficiente para não poder chegar perto de você.
—Está bem, talvez esteja certo. Agora, dá pra me dizer onde estamos indo?
—Em uma feira. Conheço algumas pessoas aqui que podem dizer uma coisa ou outra sobre viver em meio a preconceito e como sobreviver a ele. –Jack diz, apontando para Nikki, que estava recostada em uma árvore.
—Você é um amigo bom até demais comigo. –balanço a cabeça negativamente.
Ele não respondeu nada; apenas sorriu.
•••
O ar batia no meu rosto no caminho de volta a casa. O carro estava em um silêncio absoluto, mas aquilo era confortável. Minha mente estava absorta nas pessoas que havia conhecido naquele dia e em tudo o que passaram para, após muito sofrimento, conseguir paz.
Havia Ryan, um transgênero, que desde a infância tentava entender porque não conseguia se sentir confortável em seu próprio corpo. Quando obteve a resposta, precisou fazer com que os pais e irmãos o entendessem. O pai, no entanto, não reagiu bem. Muitas brigas ocorreram na casa, algumas acabando no pronto socorro, até que enfim o mais velho entendesse que aquilo não era uma doença que precisava de tratamento.
E então, conheci Lee, uma garota negra que sofreu na escola com um grupo de supremacia branca. Ameaças de morte e de abusos eram constantes, até o dia em que finalmente a polícia prendeu os envolvidos.
Um casal de imigrantes, que era humilhado das piores formas possíveis apenas por não ter a mesma nacionalidade dos vizinhos. Um atleta talentoso, vítima de bullying por não aceitar vandalizar o vestiário dos concorrentes e seduzir a namorada de um deles de propósito. Jonas, enviado pela família para uma instituição que o torturou apenas pelo fato de não se interessar por mulheres. Emily, que passou por um estupro coletivo na faculdade.
Como eu, existiam várias pessoas no mundo. Várias pessoas que lutavam com todas suas forças por igualdade e respeito, por aceitação. E como eu, todas elas tinham cicatrizes desses processos.
Mas ao contrário de mim, que me punha como uma garota indefesa, eles usaram isso para se fortalecer. Até o dia em que seus agressores pagassem por seus crimes.
E era o que eu deveria fazer agora. Crescer. Usar todas aquelas experiências para me aprimorar e não desistir de obter justiça para mim e minhas mães.
O motorista estacionou e pude descer dele. Jack repetiu minha ação, me acompanhando até a porta de casa.
—Obrigada por hoje. Foi... Uma ótima experiência. Acho que finalmente percebi algumas coisas.
—Eu sei que não é fácil. Ser você, ver o que sua família passa e ser vítima disso também. Mas não pode deixar que ninguém a faça crer que é inferior. Porque você não é.
Assenti, sorrindo fracamente.
—Você quer entrar?
—Não, meus pais estão me esperando em casa. Decidiram fazer uma noite de jogos, agora que uma das minhas irmãs veio nos visitar.
—Não sabia que tinha irmãs... –cruzo os braços, o olhando.
—Não? Pensei que já tivesse mencionado.
—Não mencionou.
—Agora você sabe. –ri da minha expressão intrigada.
—Certo... Vou entrar. Bom resto de dia, Jack.
—Para você também, Turn. –ele responde, se virando para ir.
Antes, no entanto, que terminasse de descer os degraus, o segurei pelo braço, abraçando-o apertado e dando um beijo na sua bochecha.
—Só queria dizer obrigada de novo.
Ele sorriu, antes de realmente partir.
•••••
FINALMENTE ACABOU A SEMANA DE PROVAS! Acho que agora terei um pouco mais de tempo para escrever. Estou planejando uma maratona de aberration, mas isso só vai acontecer se vocês comentarem muito nesse capítulo. Sinto saudades de ler eles :(
Saturn tá crescendo e eu tô "aaaaaa".
É isso, espero que gostem!
Nath
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aberration
Fanfiction+jackgilinsky | ❝Você é uma aberração, assim como sua família.❞ ou Onde Saturn é julgada por ter mães lésbicas. duatoxic, 2018. todos os direitos reservados. concluída. posições no ranking: #524 em fanfic em 23.04.18 #451 em fanfic em 06.05.18 #245...