Malu

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Capitulo 34
Malu
Ver o Pedro, todo machucado causou em mim uma dor dilacerante.
Seu peito rasgado.
Seu rosto todo cheio de hematomas e ainda assim lindo.
Lágrimas involuntárias rolavam pelo meu rosto.
Chego mais perto e toco em seu rosto.
Deixo um beijo em seus lábios quentes.
-----Adeus meu amor.
Sussurro antes de deixar o quarto de hospital.
Andamos uns cinco minutos de carro e estamos dentro da favela.
Enquanto eu estava no Rio na casa de Pedro junto com seus pais, eu sentia ainda parte de mim pulsando, me sentia viva e com esperanças.
Quando Ruan e Mel fizeram a ligação da carga da Cocaína da Bolívia para o Rio e depois uma nova troca para irem para São Paulo e concluíram com sucesso a missão,  parte de mim se perdeu.
Eu não quis saber como fizeram,  com quem contaram.
Tão pouco perguntei se foi estilo velozes e furiosos ou algo mais real.
Eu só vi um pai de família lutando pelos seus.
Na manhã seguinte, fui até a agência dos Correios mais próxima e enviei a carta para meus pais.
Essa para mim, significou as últimas lembranças de uma liberdade sem tamanho.
Respiro fundo e desço do carro.
A casa não era feia, muito pelo contrário.
Era grande, branca com alguns quartos que não me preocupei em gravar.
Sala enorme para jantar,  fora a de estar e a de jogos.
Uma mulher se sentiria no paraíso se tivesse vindo morar aqui por amor ao seu homem.
De todas as vezes que o vi, essa foi a primeira vez que Stenio manteve silêncio.
Poderia arriscar que ele estava até temeroso.
Ele sabe que não está brincando com uma pessoa qualquer.
Talvez ele estivesse buscando um desafio mortal.
A mente do ser humano, é algo misterioso em excesso.
A pessoa pode ser sarcástica,  rir, brincar ou ser cem por cento ogra, mas você nunca conseguirá saber o que se passa na mente e no coração de alguém,  a não ser que ela seja extremamente sincero em relação ao que sai de sua boca.
Aproveito o seu silêncio para tentar entender esse jogo de  xadrez que entrei.
A intenção de Stenio pode ter sido deixar Pedro fraco, me tirando da vida dele, mas eu acredito que Pedro pode ter entendido a situação como um incentivo.
A primeira semana se passa e pode-se dizer que sou tratada como rainha.
Claro, uma rainha presa na torre, pois sair de casa é um limite extremamente rígido e proibido.
A gente quase não se fala e a noite, cada um dorme em um quarto separado e isso me deixa bem, porque feliz e uma palavra forte demais.
Li na internet que tristeza pode cortar o apetite e causar sonolência, como uma forma do organismo de tentar expulsar aquele sentimento ruim.
Eu queria acreditar nessa hipótese com unhas e dentes.
Antes que Stenio pudesse sair de casa, corro atrás dele.
-----Stenio preciso falar com você.
Ele me olha com desdém e balança a cabeça afirmativamente como se tivesse me autorizando a falar.
-----Eu preciso de um emprego, de fazer algo útil. Todos esses nadas pra fazer está me deixando doente.
-----Tu quer reclamar de que? Tem tudo aqui.
-----Você sabe que me falta muito. Me sinto uma inválida. Me deixe ao menos cozinhar, lavar roupas,  trabalhar em uma padaria?
-----Eu sabia que seu pedido manhoso ia sair algum fubá. Pode arrumar a casa a roupa e a comida, mas tudo que seja dessa porta para dentro.
Pelo que pude observar Stenio e como um pitbull,  se você o cria com ração,  ele e um cachorro bom, amável,  quase dócil, mas se der bife cru escorrendo sangue, não terá menos do que uma máquina mortífera.
Sorrio em falso agradecimento.
Todos os dias, Stenio vem ao meio dia para almoçar.
Dessa vez eu mesma preparei.
Arroz...
Feijão...
Batata frita...
Bife mal passado....
Suco de laranja natural.
Eu não disse que fui eu que fiz, mas ao colocar a primeira garfada na boca ele me encarou.
----Foi você?
----Sim, como sabe?
-----Eu almoço comidas ruins todos os dias, percebo quando o cheiro é bom. Aos domingos minha mãe fazia esse prato para mim.
Stenio para de falar cerrando a mandíbula com raiva.
-----Desculpa eu não sabia.
-----Não tem problema. Isso não faz dela menos puta.
-----Nós convivemos na mesma casa podíamos ser amigos.
-----Você é aliada dos meus inimigos, não confio em você.
----Deveria. No final das contas, eu escolhi vir com você.
Stenio sorri sarcasticamente.
-----Às vezes Malu, você quase me faz acreditar em você.
-----Você gosta de pudim Stenio?
-----Nunca comi.
Levanto rapidamente e chego me sentir útil por estar fazendo algo que não seja ficar no quarto.
Parto um pedaço considerável do pudim que aprendi a fazer na padaria.
-----Está muito bom, tem mais?
Levanto novamente e levo a bandeja.
Em questão de dez minutos, Stenio comeu metade da forma que estava a sua frente.
-----Eu preciso de roupas.
-----Aff não pode ser bonzinho com você que já pede as coisas.
-----Não é pra sair daqui. Já sei que são limites para você.
-----Fui arrumar seu quarto e vi que tem várias camisetas com etiquetas, posso pegar algumas?
Pegando uma próxima fatia do pudim,  Stenio responde.
------Vai ficar grande em você.
-----Não tem problema , eu gosto.
-----Então pega. Mas não abusa. Vou pra boca.
Stenio,  olha momentaneamente para minha boca e meu corpo arrepia de medo.
Ele pega sua arma e põe desajeitadamente no cós da bermuda e se vai.
Corro para o banheiro segurando o tanto quanto consigo a ânsia de vômito.
As camisetas vai segurar meu segredo por um tempo.
Terei que convencê-lo que estou doente para ao menos comprar uma vitamina pra mim.
A ex cozinheira não é confiável,  nenhum de seus homens entram aqui.
Saio do banheiro quando meu telefone toca.
Número privado.
-----Oi Malu.
Coloco a mão na boca não acreditando que ouvi sua voz.
Parece um sonho surreal.
------Não diga nada, apenas aguente firme meu amor. Assim que possível estaremos juntos novamente. Qualquer mensagem que eu te mandar, apague... Eu te amo.

Respiro aliviada.
Eu sabia que não iria me decepcionar.
Desligo o telefone, tendo a certeza que o coringa vai sim salvar a Alerquina, pois no jogo do xadrez o rei comanda a porra toda com ou sem rainha.

(Concluído) O Outro lado da moedaOnde histórias criam vida. Descubra agora