Capítulo 26

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                         Harry

    - Meu pai está preso. Por assassinato.

    Precisava falar assim, sem pensar? Idiota!

    Não sei por que me sinto tão estimulado a contar à S/N todos os meus segredos sujos, mas vou em frente. Talvez porque ela se sinta inadequada. Eu sei muito bem como é isso. Em um mundo onde aparência e reputação representam tudo, tenho que me esforçar muito para me assegurar de que tudo o que falo e faço esteja acima de qualquer crítica. Manter distância do meu pai e de sua detenção foi uma proeza quase impossível, mas eu resisti. Após anos e anos de muito trabalho, puxando o saco das pessoas certas, finalmente consegui. E agora estou um passo mais perto do meu objetivo.

    Depois do que pareceu uma eternidade enlouquecedora de silêncio, olho para ela. S/N está me encarando, a boca ligeiramente aberta, com o choque. Seus olhos c/o brilhantes, escuros na luz fraca, estão focados exclusivamente nos meus. Mas o que mais me chama atenção não é o que eles expressam - surpresa, desconfiança, curiosidade, talvez um pouco de compaixão -, e sim o que não está estampado neles. Julgamento. Desprezo. Medo. Todas as coisas que vi, muitas vezes, nos olhos das pessoas quando tinha de contar a eles minha história.

    Agora mais do que nunca quero beijá-la.

    Cacete! Ela fica cada vez mais atraente.

    - E então? Não vai fugir, sair gritando? - pergunto, sem conseguir evitar o leve tom de amargura na voz.

    Ela me surpreende com um sorriso e um olhar hesitante.

    - Acho que já ficou claro que eu não tenho nada a ver com as pessoas com as quais você lida normalmente.

    Rio. E é um riso verdadeiro.

    - É, verdade.

    Ela se vira para mim. A única coisa que seu rosto expressa agora é curiosidade. Fico contente de ver que o traço de compaixão desapareceu. Dentre as muitas coisas que eu gostaria de inspirar nessa garota, compaixão não faz parte da lista.

    - Quer conversar sobre isso?

    Eu dou de ombros, em dúvida.

    - Isso não me incomoda mais como antigamente. Agora é como se fosse parte do meu passado, mais do que qualquer coisa.

    - Deve ser mais do que isso para você querer me falar a respeito.

    Ela é bem perceptiva. Tão inteligente quanto bonita. E provavelmente não faz ideia disso.

    - Talvez. Não sei. Eu nem mesmo sei por que mencionei isso.

    Então olho para as luzes da cidade. Agora me sinto como um idiota por ter tocado no assunto.

    - Mas mencionou - insiste S/N. - Agora vai ter que me contar ou serei forçada a pensar que você é cruel e sádico.

    - Talvez seja.

    Ela aperta os olhos, me avaliando.

    - Ah, qual é. Não acredito. Além disso, não existe alguma lei contra crueldade e punição extrema? Você não pode ser um advogado e transgressor das normas ao mesmo tempo.

    Não consigo segurar uma risada diante da sua lógica. Me pergunto o que ela pensaria se soubesse a verdade.

    - As pessoas fazem isso o tempo todo.

Louca por você - Tom H.Onde histórias criam vida. Descubra agora