Capítulo 45

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    - Nem vem, S/N! Você tem que se libertar disso. Só porque um cara é parecido, se veste, ou age de certo modo, não significa que ele seja como Bucky. Por outro lado, só porque um cara não é parecido, não se veste, nem age como ele, não quer dizer que seja diferente. Você não pode julgar todos os livros pela capa daquele idiota, cretino de pau pequeno e de cérebro atrofiado! Não deixe de correr riscos e aproveitar as oportunidades na vida só porque foi sacaneada.

    Penso na minha decisão anterior de correr riscos com o Tom. Mas também penso na maneira extremamente prestativa e gentil que Harry demonstrou ao me atender no telefone. Se a Ginger estiver certa, apesar das aparências, qualquer um dos dois pode ser uma nova versão do Bucky na minha vida, mais uma vez. Mas como vou saber qual dos dois não é?

    Talvez ambos sejam.

    Confie no seu instinto. Avalie o que sabe sobre os dois. Harry é o bom moço. Tom é o bad boy. Bad boys nunca tomam jeito.

    Mas Harry é comprometido.

    Tom não.

    Harry não me oferece nada.

    Tom é franco e quer me dar o que pode me oferecer.

    Será que vale a pena ter qualquer um dos dois na minha vida? Ou seria melhor esquecer ambos e fugir?

    Percebendo a minha preocupação, Ginger muda de assunto para um muito menos perturbador: Brinquedinhos sexuais.

    Ah, Ginger!

****

    Levo um enorme susto quando entro pela porta da frente e vejo uma cama de hospital, no meio da sala. Meu coração leva um baque, fazendo um ruído surdo que só eu posso ouvir.

    Quando eu vejo o meu pai sentado em sua velha poltrona verde favorita, com a perna engessada, apoiada em um travesseiro, me sinto um pouquinho aliviada, embora ainda confusa. O gesso não cobre a metade inferior da sua perna, como eu esperava. Ele vai até o quadril.

    Meu pai quebrou o fêmur. E ninguém me disse nada.

    Puta que pariu!

    Solto as malas no chão e vou diretamente ao encontro dele, com as mãos nos quadris, armada de uma indignação totalmente justificável.

    - Quer dizer que você não podia ter me ligado pra contar? Só foi me deixar descobrir dias depois, e pela Ginger? Logo por ela, entre todas as pessoas?
   
    Pela expressão em seus olhos, posso ver que ele está começando a assumir aquele jeito característico de acalmar os ânimos. Fora esse desejo de evitar confrontos que acabou levando minha mãe a ir embora, em busca de pastos mais verdes e fortes. E mais ricos. E mais bem-sucedidos. Basicamente, qualquer outro pasto diferente do seu próprio roçado. Aquela vaca!

    Às vezes, isso é tudo que posso fazer para não odiá-la.

    - Bem, punk - começa ele, usando o meu apelido carinhoso de infância, aquele que sempre me transforma numa pessoa dócil, fácil de manipular. - Você sabe que eu nunca esconderia algo de você, a menos que eu soubesse que seria para o seu bem. Já basta estar ocupada com esse novo emprego e com o seu último ano de faculdade, além de morar com sua prima. Eu não queria te dar mais problemas. Tente ver as coisas do meu ponto de vista - conclui, de maneira suave.

    É impossível ficar zangada quando ele faz isso. Entretanto, tenho que admitir que esse tipo de atitude pode ser muito frustrante.

    Eu me ajoelho aos seus pés.

    - Pai, você devia ter me avisado.

    - S/N, não há nada que você pudesse ter feito. Exceto ficar preocupada. E agora está faltando ao trabalho. Por minha causa.

    - Isso não é problema. Ginger falou sobre os cordeiros. Vou acomodá-los e logo estarei de volta ao trabalho.

    Ele fecha os olhos e reclina a cabeça para trás, rolando-a de um lado para o outro no apoio da poltrona, irritado. Por alguns segundos, não diz nada, pondo um fim, de vez, nessa parte da conversa.

    Esse é outro hábito frustrante do meu pai. Ele simplesmente para. Para de falar, para de discutir. Simplesmente... para.

    Percebo mais fios de cabelos brancos nas suas têmporas em comparação com a última vez que o vi. E acho que os vincos que emolduram sua boca estão mais profundos. Hoje, ele parece ter bem mais do que os seus 46 anos. A vida difícil, carregada de desilusões, causou-lhe grandes danos. E agora as consequências estão visíveis.

    - O que posso fazer para ajudar, pai? Você podia aproveitar que estou aqui e me pôr pra trabalhar. Como vão os livros de contabilidade?

    Mesmo sem olhar para mim, ele responde:

    - Os livros estão ótimos. Toni me ajuda com eles quando você não está.

    Eu trinco os dentes. Toni acha que é contadora. Só que não é. Nem em sonho. Posso apostar que há muita coisa para ser colocada em ordem. Sinto que um suspiro se aproxima, então mudo de assunto.

    - E quanto à casa? Há algo que precise ser feito por aqui?

    Finalmente, ele ergue a cabeça e olha para mim. Há um toque de humor na sua expressão.

    - Sou um homem adulto, S/N. Sei como me virar sem minha filha por perto para cuidar de mim.

    Reviro os olhos, impaciente.

    - Eu sei, pai. Não é disso que estou falando e você sabe muito bem.

    Então ele se inclina para a frente e segura uma mecha de cabelo, junto da minha orelha, puxando os fios, do mesmo modo como costumava puxar meu rabo de cavalo quando eu era pequena.

    - Eu sei o que você quis dizer. Mas também sei que você acha que tem obrigação de cuidar de mim, principalmente depois que sua mão se foi. Mas você não tem que fazer isso, filha. Eu ficaria arrasado se a visse sacrificar a própria vida para voltar para cá. Vá viver uma vida melhor, em outro lugar. Isso é o que me faria feliz.

    - Mas, pai, eu não...

    - Eu a conheço, S/N. Eu a criei. Sei o que você está planejando e o que pensa. E estou pedindo que não faça isso. Somente me deixe viver assim. Existem coisas diferentes no mundo para você. Coisas melhores.

    - Pai, eu adoro essas ovelhas e essa fazenda. Sabe disso.

    - Não estou dizendo que não gosta. E tudo vai continuar do jeito que está para você visitar quando quiser. E um dia, quando eu não estiver mais aqui, isso será tudo seu, para fazer o que bem entender. Mas por enquanto, é meu. Meu problema, minha vida, minha preocupação. Não sua. Você tem que se preocupar em se formar e arranjar um bom emprego para ter dez vezes mais o que seu pai conseguiu. Depois disso, talvez eu considere a hipótese de deixá-la voltar para cá. Que tal?

    Eu sei o que ele está fazendo, o que está insinuando. E entendo. Entendo a culpa. Mas quando aceno com a cabeça e sorrio concordando, é apenas pelo interesse dele. O que ele não sabe é que eu nunca o deixarei, como ela fez. Nunca. Nunca vou escolher uma vida confortável, de riqueza, em detrimento das pessoas que amo. Nunca.

    - Agora, já que você está aqui, queria pedir um favor. Bem, dois, na verdade.

    - Pode falar.

    - Tenho todos os ingredientes para uma feijoada (foi a primeira coisa que me veio à mente). Você pode preparar o jantar?

    - Claro, é sua comida preferida.

    - Boa menina.

    Então ele sorri para mim por alguns segundos e volta a atenção para o programa que estava assistindo na televisão.

    - Pai?

    - Sim? - pergunta, novamente me olhando, com as sombrancelhas arqueadas.

    - Qual era o segundo favor?

****

Louca por você - Tom H.Onde histórias criam vida. Descubra agora