Samm se espichou sobre o banco para enxergar mais longe, estreitando os olhos que já não viam muito bem. Ainda estavam a meia milha de Lothering, mas, do alto da Estrada Imperial, a vila estava bem visível. Os campos em volta sendo preparados para o plantio, arados puxados por carros-de-boi e guiados por homens e mulheres de Lothering que limpavam o suor sob seus chapéus.
Um moinho de vento de paredes brancas destacava-se sobre um promontório no meio das plantações. Era alto, cônico, com uma passarela no nível das pás que giravam lentamente com a brisa da manhã, decerto sem mover a pedra de moer já que faltava muito tempo até a colheita do trigo. Para além do moinho via-se um rio caudaloso, o Drakkon , que corria na direção do Lago Calenhad e vinha acompanhando a Estrada Imperial há mais de um dia. O rio Drakkon voltava-se para o sul e cruzava o centro da vila, com casas se aglomerando nas duas margens, atravessado por pontes e caminhos que pareciam convergir para o Coro que se erguia acima das outras construções.
Cornelia e Samm se aproximavam de uma rampa que deixava a Estrada Imperial e os levaria para trilhas de terra através dos campos. Samm remexia-se, inquieto, mas nada comentou com a maga. Em vez disso, apontou para um ponto distante da Estrada, onde uma fenda transversal nos tijolos criava um vão intransponível que levaria a uma queda nas águas do Drakkon.
– Tá vendo aquele buraco? Aquela parte da Estrada já tinha caído antes de ter uma vila aqui. Podiam consertar, mas desse jeito todo mundo é obrigado a passar por dentro da vila, e as pessoas aproveitam pra parar no Refúgio de Dane e encher a cara.
– E o que é esse Refúgio de Dane? Uma taverna?
– A melhor de Lothering, mas só porque é a única. Há! – Samm bateu no próprio joelho, dando uma gargalhada explosiva que terminou em falta de ar. – Eles também tem quartos, se você precisar de um lugar pra ficar.
Cornelia ainda não havia pensado em sua estadia, mas sua mente acadêmica estava mais interessada na história local.
– Por acaso esse Dane seria o mesmo do Rio Dane? O herói alamarri?
Samm direcionava seu cavalo enquanto desciam pela rampa, apesar de que o baio parecia já conhecer o caminho. Ele lançou um olhar intrigado para Cornelia, achando graça na pergunta.
– Se você perguntar no Coro, a madre deve saber. Eu que não entendo dessas coisas.
Samm acenou para todos que encontraram enquanto cruzavam as plantações, cumprimentando-os pelo nome. Havia crianças com enxadas arrancando as ervas daninhas que conseguiram crescer durante o inverno, e homens com varas obrigando os bois a pxuarem os arados. Uma mulher de cabelos presos chefiava algum reparo no moinho, deixando o trabalho pesado para dois rapazes que suavam profusamente. Aqueles que reparavam em Cornelia a encaravam até sumir de vista, mas eram minoria; a maioria das pessoas de Lothering estava ocupada com o serviço do campo.
A estrada os levou direto para o Refúgio de Dane, uma construção com a base de pedras encaixadas e os dois andares acima construídos em madeira. Na parede ao lado da porta havia o esqueleto de um corvo desenhado em azul sobre um círculo branco, e Cornelia reconheceu como um antigo símbolo alamarri – a tribo da qual todos os fereldenianos descendiam. Era um símbolo apropriado, considerando a localização de Lothering no centro de Ferelden, mesmo que não fosse historicamente preciso.
– Quando Dane viveu, Lothering provavelmente era só florestas. – comentou Cornelia, mas Samm não lhe deu ouvidos.
A taverna parecia movimentada, com um burburinho alto vindo de dentro, e havia muita gente em volta – famílias inteiras, na verdade, muitos deles sujos e com feições cansadas. Samm foi reduzindo a velocidade.
– Acho que você vai ficar por aqui, né? – ele lançou um olhar furtivo por baixo da aba do chapéu de palha. – Só toma cuidado, tem muita gente estranha na vila.
Cornelia olhou em volta, encontrando os olhos das pessoas em volta. Uma mulher com um bebê de colo, sentada sobre uma pilha de caixas e dando de mamar, sustentou seu olhar por mais tempo, sem falar nada.
– Algo ruim aconteceu com essa gente. – ela murmurou, mas Samm não perdeu seu olhar desconfiado. Cornelia se virou para o pastor de ovelhas e inclinou a cabeça. – Agradeço por ter me trazido até aqui, Samm. Que Andraste ilumine seu caminho.
– E o seu, Cornelia. Agora eu tô podendo usar sapato de novo! Quem diria que encontrar uma maga seria coisa boa?
Ela sorriu para ele sem considerar o preconceito nas entrelinhas do comentário. Puxando sua mochila dos fundos da carroça, saltou para a rua de Lothering e assistiu Samm se afastar, cruzando uma ponte sobre o Drakkon em direçao à outra metade da vila. Lá, uma feira montada na frente do Coro de Lothering estava abarrotada de gente, e algum velho amigo já lhe fazia sinal para que se aproximasse.
A jovem mãe se aproximou de Cornelia assim que Samm partiu. Ela tinha os cabelos pretos compridos presos em uma trança, mas muitos fios estavam soltos, espantados, e seus olhos – assim como os dos outros estranhos de Lothering – eram os de alguém que não dormira a noite toda.
– Com licença, eu ouvi certo? Você... a senhorita é uma maga? – a mulher olhava em volta conspiratoriamente, e alguns desocupados as encaravam.
– Sou, sim. – ela respondeu em um tom baixo, confidencial. – Eu me chamo Cornelia. Há algo errado?
A mulher hesitou antes de fazer o pedido:
– Meu marido foi ferido ontem a noite. Ele precisa de uma cura. – Ela desviou os olhos, fitando o bebê aninhado em seus braços. Seus lábios apertaram e tremeram, os olhos marejaram. – Sopro do Criador, meu filho não pode crescer sem pai.
Cornelia espantou-se. Algo acontecera na noite anterior, e por isso havia tantos estranhos em Lothering, por isso a taverna estava cheia e as pessoas nos campos os observaram com tanta atenção. Havia tanto para ser feito, tanto
para ser descoberto que ela queria começar um interrogatório ali mesmo. Vendo o estado sofrido da mãe, a maga se conteve, e assentiu.– Leve-me até ele.
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Ossos Quebrados [Dragon Age] [Completo]
Fantasy*Baseado na série de jogos Dragon Age* O mundo esteve perto do fim quatro vezes, e o quinto Flagelo se aproxima. Hordas de crias-das-trevas abrem caminho pelas profundezas da terra trazendo consigo morte e desolação. Diante dessa ameaça uma maga, um...