O calor intenso da manhã, mesmo que o sol ainda não estivesse a pino, fazia Cornelia lembrar de quando chegara a Lothering, apenas dois dias atrás. O clima não havia mudado, mas tanto sucedera na vila que poderia muito bem ser outro lugar, em outro tempo. Os refugiados de Pedralar mudaram seu acampamento para mais perto do Coro, e assim seria mais fácil correr para a proteção dos muros caso sofressem outro ataque. As tensões entre eles e os locais, porém, só aumentaram, e ameaças veladas eram feitas dos dois lados. A maga se ressentia pela situação precária que, ao que tudo indicava, desmoronaria cedo ou tarde, mas também estava grata por ir embora.
Aqueles que partiam de Lothering naquela manhã receberam presentes generosos como recompensa por defenderem a cidade. Meir, a jovem mãe refugiada, costurou para Cornelia o manto do Círculo dos Magos onde fora danificado durante o combate. Madre Aldra, se ainda não confiava nela, pelo menos reconhecia seu valor, e dera uma bolsa com unguentos e utensílios para Cornelia preparar remédios. Agora ela só precisava aprender as receitas, mas tinha confiança de que encontraria dúzias de livros sobre o assunto assim que pudesse consultar a biblioteca da Torre dos Magos.
Hati também fora bastante recompensado. Sir Bryant deu-lhe o arco-e-flecha de Sir Varnell, grande e bastante resistente, um prêmio adequado por tê-lo usado para matar Peoth, no alto do moinho. Mas o presente não foi suficiente para aplacar a tristeza que tinha por deixar Meir e Eryl para trás. Cornelia não sabia exatamente o que havia entre eles dois – se eram apenas bons amigos ou cultivavam outro sentimento –, mas o fato era que Hati parecia dividido entre seu ímpeto de partir e sua vontade de ficar.
Adrian, por outro lado, não demonstrava nenhuma hesitação em deixar Lothering para trás, e talvez fosse isso que enfurecesse tanto sua mãe, Verna Hank. Mesmo enquanto se preparavam para partir ela o segurava pelo braço, apertando-o a despeito de ele agora vestir uma cota-de-malha dos templários. Ele tentava se desvencilhar da mãe e caminhar com dignidade ao lado de Sir Maron, encabulado com metade da vila o olhando naquela situação.
– Por favor, mãe... – ele tentava falar baixo, sem chamar a atenção da multidão que se reuniu para vê-los partir. – Já devíamos estar na estrada a essa hora.
– Eu não vou vê-lo por anos, então me deixe em paz! – Sem conseguir se soltar, Adrian cedeu e abraçou sua mãe, sentindo a pressão sobre seu peito coberto pela armadura de anéis metálicos. Ela o prendeu no abraço por alguns segundos, então o soltou e se afastou, ainda segurando seus braços. Verna olhou nos olhos de Adrian por bastante tempo, e as feições do rapaz foram se transformando: de irritação, passaram para um sofrimento que ele tentou esconder. Por fim, precisou afastá-la, os olhos ficando marejados.
– Tenho que ir, mãe. Que o Criador cuide de você.
– Vou rezar para que Andraste o mantenha no caminho do Criador. – Ela abaixou a cabeça, sem mais energia para segurá-lo. – Vão.
Sir Maron esperou para que Adrian se juntasse a eles, ajeitando a parca bolsa de pertences nas costas, e deu um tapinha no flanco de seu cavalo castanho, que engatou um passo tranquilo. A única montaria do grupo fora cedida para Cornelia. Entraram na Estrada Imperial, cujos tijolos brancos, a despeito dos anos de poeira acumulada, ainda refletiam o sol intensamente e os obrigavam a mantê-los semicerrados. Cruzaram a sombra do moinho, galgaram a rampa e tomaram o rumo oeste, que em poucas horas os levaria às margens do Lago Calenhad.
Os primeiros vislumbres de água foram fragmentos de água desgarrados da massa maior, assemelhando-se mais a charcos do que ao imenso lago. Garças pescavam entre os juncos às margens, paradas como estátuas à espera de sua presa. Peixes sempre ocultos pelas águas turvas produziam marolas que se espalhavam de um lado a outro e, a uma certa distância, clareiras com bancos de toras e restos de fogueiras. Eram locais isolados onde pescadores ganhavam apenas o suficiente para sobreviver sem os luxos da civilização. Lugares assim continuaram a aparecer e desaparecer por quilômetros, até os quatro cansarem de caminhar, suas pernas arderem e o suor grudar os cabelos no rosto. Só então Sir Maron fez sinal para pararem para o almoço.
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Ossos Quebrados [Dragon Age] [Completo]
Fantasy*Baseado na série de jogos Dragon Age* O mundo esteve perto do fim quatro vezes, e o quinto Flagelo se aproxima. Hordas de crias-das-trevas abrem caminho pelas profundezas da terra trazendo consigo morte e desolação. Diante dessa ameaça uma maga, um...