Seu nome era Meir, e ela viera de Pedralar, fugindo de crias-das-trevas que atacaram durante a madrugada. Cornelia apressava-se para acompanhá-la através das casas até o acampamento dos refugiados, repleto de barracas improvisadas em um pasto desocupado. Conforme passavam entre as tendas, a maga via homens e mulheres feridos, com cortes e escoriações recentes. A maioria chorava ou tinha o rosto inchado de quem chorara durante muito tempo. Cornelia tentava descobrir mais sobre o ataque sem contudo pressionar Meir, quando pararam em frente a uma barraca, pouco mais do que um manto esticado para proteger do sol.
– Eu trouxe ajuda, Stevan. – Meir ajoelhou ao lado de um homem em estado febril e pegou sua mão. – Ela vai ajudar.
Cornelia ajoelhou-se ao lado de Meir e não conseguiu evitar um sobressalto ao ver o moribundo. Stevan era um homem forte, com cerca de quarenta anos e músculos que só poderiam pertencer a um ferreiro ou lenhador. Uma barba cheia cobria seu queixo e bochechas, e sobrancelhas espessas encimavam seus olhos. Contudo, a força que ela via parecia um fantasma que estava desvanecendo. As veias dos braços e pescoço estavam saltadas, e a pele, ictérica. Os olhos amarelados acumulavam nos cantos uma remela viscosa. O homem tremia com calafrios intensos apesar do calor do zênite solar, e apertava uma das mãos sobre as bandagens em seu ombro.
– Como ele foi ferido? – quis saber Cornelia, aproximando-se devagar.
Não foi Meir quem respondeu.
– Estávamos fugindo, Pedralar inteira estava pegando fogo. Nós pensamos que as crias-das-trevas tinham ficado para trás quando fomos emboscados por duas que vinham à frente. Stevan as matou, e salvou todos nós.
Cornelia ergueu os olhos, notando pela primeira vez o rapaz ao lado do homem ferido. Ele estava no mesmo estado dos outros refugiados de Pedralar – exausto, esfregando as mãos nervosamente –, mas sua pronúncia não era carregada como a dos camponeses, e algo em sua aparência deixava claro que não era um deles.
– E quem é você? – perguntou, voltando os olhos novamente para Stevan. Meir acariciava um dos braços do homem, mas ele parecia não percebê-la em seu estado febril.
– Eu me chamo Hati. Estava em Pedralar durante ataque.
– Se há tantos de nós aqui em Lothering, é porque ele nos preparou para um ataque. – disse Meir.
– Você já sabia das crias-das-trevas? – indagou Cornelia, mexendo com bastante cuidado nas ataduras e as removendo, camada por camada, para ver o ferimento por baixo.
Hati balançou a cabeça.
– Esperávamos salteadores, mas fomos atacados por esses... demônios. – Ele parecia perdido em alguma memória, decerto revivendo cenas do ataque. – Eu sabia que o sangue das crias-das-trevas podia contaminar, mas suas armas? – Sua voz fraquejou, transparecendo o medo que sentia. – Os magos conseguem curar isso, não conseguem?
Cornelia apertou os lábios sem responder. Assim que removeu a última atadura, um fedor pungente ergueu-se do ferimento, e todos se afastaram instintivamente, cobrindo o nariz e buscando por ar puro. A ferida parecia necrosada como se tivesse sido causada há uma semana, e não há meras horas. Os vasos sanguíneos em volta estavam inchados e pretos, coagulando o sangue ainda dentro do corpo.
– A Mácula é um corruptor. – ela disse, tocando a ferida com cuidado e recuando quando Stevan estremeceu. – Ela transforma o próprio sangue em um veneno que mata aos poucos. – Cornelia se concentrou e deixou seu mana fluir na forma de energia curativa, fechando o corte largo no ombro de Stevan e aliviando a febre que o consumia. Em segundos o homem parou de tremer, mas Cornelia, pesarosa, não deixou que Meir nutrisse esperanças. – Se houvesse um guardião cinzento talvez ele pudesse tratá-lo, mas eu não posso fazer nada.
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Ossos Quebrados [Dragon Age] [Completo]
Fantasy*Baseado na série de jogos Dragon Age* O mundo esteve perto do fim quatro vezes, e o quinto Flagelo se aproxima. Hordas de crias-das-trevas abrem caminho pelas profundezas da terra trazendo consigo morte e desolação. Diante dessa ameaça uma maga, um...