Quando o segundo sol chegar...

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  Faltava pouco para o ano letivo acabar e nos formarmos. Seria cada um por si em seus sonhos. Aqui na minha terra, é comum mesmo o clima árido e seco e, apesar de ser considerado "tropical",  o calor estava descomunal ao ponto de dar queimaduras de primeiro grau e tudo se tornar insuportável.
  Meu colégio é antigo e de placas, então vira um verdadeiro forno. Porém, um dia, as coisas bruscamente mudaram. Eu estava indo para o colégio à faixa das 06h45min. O percurso é curto, faço-o geralmente em dez minutos. A luz estava mais clara naquele dia, como se já fossem dez horas da manhã; então, antes de atravessar a faixa, parei e olhei.
Não sabia se voltava para a casa ou se ia para o colégio. As pessoas tiravam foto e paravam os carros no meio da rua para gravar o fenômeno. Respirei fundo e fui com o sentimento de que aquilo pioraria.

Quando cheguei, meus amigos estavam reunidos — grande parte deles — e as pessoas falavam somente nisso. Era de se preocupar.

— Mano, que merda é aquela? Tem outro sol! — disse Luan, indignado.
— É tipo um substituto do sol. — zombou Victor.
— Credo, gente! Deus me livre! — falou Marília, apoiada nos cotovelos sobre a mesa.
[I]— É de preocupar isso! Vocês tão ligados, né? — falei, mordendo os lábios.
[I]—  Você pensa muito negativo. — disse Rubens calmamente, com um sorriso amarelo.
— Vai se foder! Acha que é normal? — ele ergueu os ombros e nós nos entreolhamos.
— Mas eu estou sentindo algo ruim mesmo — falou Marília, quase inaudível.

Então, o sinal bateu para irmos para a sala e era inevitável não olhar para o céu. O calor já não era mais comum e, agora, isto. Não consegui me concentrar em aula alguma; na aula de Física, sentei-me do outro lado da sala junto de Adrian, Anna, Rubens e Gabriella. Logo, vieram os demais e ficamos agrupados, conversando. Adrian zombava, apesar de acreditar no assunto. A atividade era sobre as leis de Kirchhoff e ninguém queria saber disso; eu estava soando de pingar.

— Nicki? — Adrian colocou sua mão gélida em minha nuca e o frescor durou pouco segundos. O ventilador girava nada mais que ar quente.
— Não tô bem...
— Estou vendo, tá branca que nem papel. Vamos sentar lá fora?
— Vai desmaiar na minha aula, não! — brincou a professora de Física. Eu ri fraco. Recusava-me a desmaiar, era como uma batalha psicológica.

Adrian e Rubens me ajudaram a levantar. Apesar de ambos segurarem meu braço, sentei na parte alta da mureta e um vento frio soprou.

— Droga! Minha mãe não vem me buscar... — reclamou Adrian, olhando rapidamente o celular.
— Vai acontecer alguma coisa, a gente não pode ficar aqui. — ele me olhou sério e puxou-me para levantar. Fomos para a sala e começamos a arrumar nossas coisas. Ninguém estava entendendo.
— Algo vai acontecer, gente! Tá doido, ficarmos aqui?! — peguei a chave de casa, torcendo para minha mãe, ou minha avó, ou as duas já estarem lá. Mandei mensagem para ambas.

Por algum motivo divino, levei meu celular comigo. A professora nem brigou ou nada, somente o fez. Então, um barulho agudo invadiu meus tímpanos e tudo ficou escuro: virou a maior gritaria e correria.
— Rubens! Adrian! Quem quiser, venha comigo! Minha casa é aqui perto! — gritei até sentir as mãos de Rubens em minhas costas.

Eu consegui guiá-los em meio à correria e, com a ajuda deles, o mais difícil foi atravessar a avenida. As nuvens pareciam ter adquirido vida e os sóis pareciam desligados. Se aquilo era o Blue Beam, estava funcionando perfeitamente, assim como nos atordoava.
Estava ficando escuro. Alguns poucos flashes de luz, como explosões acima das nuvens cinzentas, faziam a claridade oportuna. Sentia meus tendões gritando para eu parar de correr antes de que deslocassem. Chegamos e nunca foi tão difícil abrir o portão; eu tremia muito. Adrian pegou uma de minhas mãos e falou:

— Respira. Sem pressão, OK?

Finalmente, o portão se abriu e eu o tranquei. A luz de sensor de movimento parecia fraca, de tamanha densidade. Subimos as escadas rapidamente; minha casa parecia prestes a fechar-se. Foi quando entramos de uma única vez, caindo ao chão.
— Nicki, sai de cima de mim, "please"! — pediu Rubens.
— Tá me chamando de gorda?! — indaguei.
— Não, mas acabamos de correr como desvairados e eu estou sem entender o que é isso! E você não é gorda, doida.

Meu tio e meu primo de dez anos estavam em casa também. Pelo que entendi, ele conseguiu buscar minha avó do serviço dela. Minha mãe me recebeu com um abraço e a casa estava cheia de velas, com as janelas trancadas.

— Prazer, Adrian. — Ele se apresentou a meus parentes.
— Sou Rubens, apesar de ser uma péssima hora de nos conhecermos. Como você sabia?
— Eu? — concordou com a cabeça, esperando resposta. — Ter dois sóis não é algo comum e estava me sentindo mal com tudo aquilo. E deu no que deu.
— A gente tem ajoelhar e rezar... — falou minha avó aos prantos.
— E se isso tudo for mentira?!
— Nicki, é o segundo sol. Teria como manipulá-lo? — fui caminhando para o quarto e Adrian me acompanhava.
— Eu não sei... fiquem aqui o tempo de que precisarem. A vocês dois: para tudo, tem um jeito, mas nessa escuridão, nenhum sai e nenhum entra.

Comecei a enviar mensagens a todos os meus amigos de minha cidade, de plataformas online e a alguns colegas. O ruim seria perder contato em meio a tudo isso e eu esperava pela resposta de que chegaram bem em casa.

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