Soberania - O jogo do poder

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Gháli

Matilde aconchegara-se em seu colo e encarava superiormente as pessoas abaixo de si. As costas o incomodavam das longas horas sentado. Apesar da distância, a acústica do salão de conferências era perfeitamente projetada para que o rei ouvisse bem sem que qualquer súdito precisasse subir a escada. Seu trono feito de bonitas pedras transparentes e muito brancas, com respaldar bastante alto em formato circular, era tão bonito quanto desconfortável; o que o fazia sentar-se sempre muito ereto.

Contrastavam com ele os belíssimos e compridos Cristais de Sangue dispostos diagonalmente e opostos, três de um lado e dois do outro , saindo do chão em torno do trono. O vermelho semi-transparente tinha um profundo contraste a todo o entorno branco do aposento. Era quase como se tivessem sido colocados ali, tamanha a simetria, mas na verdade o trono é que havia sido colocado entre eles quando os Reis Sem Dons foram banidos, há cinco gerações atrás.

Era a única região do castelo que os possuía, tendo sido escolhido estrategicamente como uma forma de fortalecer o Imperador (pois não se chamavam mais oficialmente reis), visto que o contato prolongado com eles, era dito, fortalecia o poder de um conjurador. Eram os cristais mais raros e valiosos de todo o reino. No entanto, também eram mais que isso: um símbolo de que o rei deveria ser sempre o herdeiro do grande poder, jamais um conjurador qualquer, e estar sempre acima destes.

Também contrastava com o trono o próprio Ghali, negro, como o fora o pai, de cabelos em tranças armadas, irregulares e compridas, que lhe davam um ar imponente. Seu gibão de tecido azul marinho parecia-lhe muito quente naquela manhã, mas decidiu mantê-lo mesmo assim.

Seus quatro sábios encontravam-se sentados em quatro pequenos assentos de pedra lisa, a sua frente, colocados em quadrados fincados lateralmente em meio aos primeiros degraus, seguindo uma linha imaginária . Tinham a função de aconselhar o imperador em todo e qualquer assunto, e sentavam-se nestes bancos sem jamais se virarem para olhar nos olhos do imperador durante uma conferência, visto que deveriam ser capazes de opinar com o poder de suas palavras, e apenas isto.

Era o costume que fossem sempre quatro, embora Úbira, o Firmamento, seu avô, houvesse tido apenas três. Tinham a função de apresentar as diversas possibilidades de algo e, caso três deles tivessem a mesma opinião a respeito de algo, pelo menos o quarto deveria tentar discordar. Eram sempre oriundos das famílias mais importantes da vassalagem e sempre havia pelo menos um membro do Clero.

Com a morte do pai ele tornara-se o Imperador de todo Cerne, conhecido como Gháli, o Vale do Silêncio, devido as longas pausas meditativas que fazia após suas conferências, antes de dar o veredito. Estava com a idade de 26. Neste instante, o Magíster Ilírio, com sua leve curvatura que contrastava com uma voz forte e cortante, enfatizava a necessidade de enviarem mais conjuradores aos campos de sua escola de magia:

- ... um lamentável desperdício. Conjuradores sendo utilizados para cultivar hortaliças, hipnotizando vacas, já bastariam os terríveis egos que escondem seus dons mágicos... todos deveriam estar escritos nas academias de magia, aprendendo habilidades militares. - O magíster dirigia atualmente a R.E.M, a principal escola focada no uso da magia em táticas bélicas.

- Os conjuradores são aplicados em áreas essenciais. É enorme a diferença que fazem na agricultura, pecuária, caça, extração de minérios... Ter um ou mais deles adianta muito qualquer desses processos, uma grande economia. Mover todos a R.E.M, ou qualquer outra instituição, seria um impacto econômico muito grande - disse Zênio, o mestre da moeda de Ghali. Mesmo sem poder ver, em sua mente Ghali podia visualizar o sorriso largo e até pueril que costumava fazer nessas horas, embora já tivesse 43 anos.

Cicatrizes da Magia - Memórias de OutremOnde histórias criam vida. Descubra agora