Donato
Não conseguia acompanhar o passar do tempo. As vezes tinha a sensação de que correram vários dias e semanas, as vezes apenas segundos. Acordava esporadicamente, quando o fazia, sentia-se bem fraco e cansado ainda que dormindo a maior parte do tempo, a dor na nuca sempre o lacerava.
Sua visão parecia sempre embaçada e tinha alucinações, quando falavam com ele não conseguia saber bem quem era, e algumas vezes sequer era alguém!
Suas roupas estavam sempre empapadas e viscosas de algo e, devido o cansaço, nunca conseguia ouvir as conversas dos outros até o final. Quase sempre tinha sonhos terríveis com o passado, piores que a dor absurda que vinha quando estava acordado.
Também lhe davam ervas de gosto horrível em forma de sopa, sentia que o estavam dopando mas estava fraco e incapaz de recusar. Sabia que frequentemente estava em algum tipo de veículo, provavelmente uma carroça (que balançava muito, e que dor era quando passavam por cima de alguma pedra!), e que Lúcio interagia com outras pessoas, suas captoras. Seguia viagem variando entre dormir, alucinar e pegar pedaços das conversas que ouvia.
- Pois você não brinca mesmo hein Eva, se o objetivo era só capturar ele e você acertou tão forte assim , se fosse pra matar acho que você arrancava a árvore ao lado dele junto! Ele parece um saco de estopa! - lembrava de uma mulher dizer nos primeiros dias, ao que a outra voz dura respondeu:
- Se ferrar, ele quase estourou meus ouvidos! Sabe que eu não estava sentido as coisas, fica difícil controlar quando é assim!
Era da batalha que falavam, mas logo voltara a dormir, quando acordou o assunto era outro.
- Lembra de mim, cancioneiro? Você melhorou! Se comparar com a última vez; eu diria uns 15% melhor. Lembra-se de mim?- disse a voz que pareceu sorrir. A princípio achou que era Lúcio quem perguntava, mas era o delírio traindo sua memória; quem perguntava foi a mesma garota que falou da árvore.
Se lembrava dela agora, andava com a cabeça tão confusa, mas lembrava; queria dizer a ela, mas tudo doía e a língua, assim como os músculos, pareciam grogues e não respondiam ao seu comando.
- É um instrumento muito impressionante. Mais impressionante ainda foi você tê-lo conseguido controlar, deve ter se dedicado muito. O quanto será que você já é capaz de o dominar? - ouvia agora uma voz de mulher diferente e acolhedora. Devaneou e depois a mesma mulher já lhe dava a sopa novamente:
- Eu sei que a sensação é muita incomoda, mas você deve ficar bem. Eu preferia que as coisas não tivessem ido tão longe.
Ia responder, mas tudo girou e quando foi fazê-lo já era noite e agora era Lúcio quem falava com ele:
- Parece que foi você quem não conseguiu escapar dessa vez, eu fiquei decepcionado. Logo você, o bardo que sequer olha pra trás...?
Havia uma tentativa de humor irônico naquela frase, mas Donato pode sentir a amargura. Era verdade. Estava sempre escapando deixando alguém para trás. Eu sinto muito, eu não queria te deixar ... - quis dizer, mas agora não era mais Lúcio, era para Iárcan que queria dizer que sentia tanto, mais que tudo...
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Cicatrizes da Magia - Memórias de Outrem
FantasyE se a queda do mundo houvesse criado uma era medieval mágica, onde existe um império repleto de elementos brasileiros? E se nesse mundo o dom da magia se revelasse muito mais como uma árdua provação do que uma benção? No Império de Cerne, pessoas p...