Flerte à guerra - Todo poder achará opositores

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Gháli

A grande mesa oval do salão privado de conferências da Fortaleza Carmesin era o oposto do salão principal. De madeira escurecida, as paredes de pedra áspera eram escuras também, ao invés dos diferentes tons de branco comuns a maior parte do castelo, com mínimas frestas na parte mais alta e nenhuma janela, de modo que se fazia necessário o uso de archotes, mesmo durante o dia.

Diferente da sala do trono, destinava-se a reuniões de caráter excepcional com seus sábios e homens de alta confiança e não era de conhecimento da população. Ficava em uma alta torre do castelo e possuía apenas uma rota de entrada oficial, de maneira a evitar que alguém do exterior ouvisse o que se tratava ali.

Gháli sentava-se à cabeceira da mesa, seguido de seus quatro sábios. Usava uma túnica branca com uma corrente que pendia ligada as ombreiras de ouro de ambos os lados, em formato de cabeça de falcão, mas o restante da roupa era casual, um gibão amarelo confortável e calças de couro bege. O calor o fazia transpirar.

Diferente dos assuntos que podiam ser tratados na sala do trono, geralmente envolvendo terceiros, era ali onde eram tratadas as questões de guerra e assuntos privados demais para o Salão Branco, era um lugar onde todos podiam se olhar nos olhos.

Sentavam-se à sua esquerda o velho arcebispo Carlo Manzone, representante da Fé, ladeado pelo mais novo dos quatro, Zênio Ferros. À sua direita estavam Magno Florêncio, ex-capitão da guarda de seu pai, seguido por Pedro Costa Rochedo

Sua mãe sentava-se numa cadeira a um canto atrás de si, como alheia, um velho hábito que herdara desde a época do falecido marido, o Imperador Ázura Falcã, pai de Gháli. Sabia que ela apenas fingiria não estar ali até dado momento, mas acabaria se fazendo presente. Matilde ronronava no colo dela enquanto era acariciada. Traidora.

Discutiam na sessão atual as providências a serem tomadas em relação a expansão de terras das criaturas vindas do outro lado do oceano, bem como a formação do que haviam dado o nome de Vespeiros, colonias dessas criaturas.

Outros assuntos, como um surto enorme de Brasa, disseminando descontroladamente suas doloridas bolhas vermelhas entre os povos próximos a Floresta Sangrenta, e movimentações suspeitas de navios sendo observados chegando às Terras Quentes, haviam impedido Gháli de dar a atenção necessária a questão até então.

A formação dos vespeiros havia se iniciado nas Terras Frias, na região dos Verdes Vales, ao Sul, mas chegaram a se aproximar perigosamente das Terras Centrais, as mais ricas, prósperas e próximas ao Império.

A reunião havia sido pedida por seus sábios. Gháli tinha plena consciência que cada um deles representava não só os interesses de suas próprias ricas e poderosas famílias, o que já era bem sério, bem como os interesses de setores fundamentais da economia e atividades essenciais de Cerne.

A família de Zênio era uma das mais influentes no comércio, além de proprietária de várias das embarcações do império; Pedro era o herdeiro da família com mais posses de terras depois de sua própria família; e Magno ainda era tido como uma espécie de herói lendário pelos soldados do reino, sendo que seu filho, Moxíca, era ainda um general extremamente influente entre seus exércitos. Moxíca também era um dos ex-colegas de pátio e espadas de Ghali. O mais arrogante.

O arcebispo Manzone, no entanto, era certamente com quem Magno mais precisava se preocupar. Representava a Fé do Sol e da Lua, religião promovida ao status de oficial do Império de Cerne pelo bisavô, por uma série de motivos. A Fé do Sol e da Lua cobrava o dízimo de seus fiéis, e parte desse dízimo era repassado a Coroa, como empréstimos a juros baixos. Mas esse não era, na opinião de Gháli, o fato decisivo para a união tão forte entre a Fé e o Império que veio a acontecer. A religião ensinava que o dom da conjuração era uma provação dos deuses:

Cicatrizes da Magia - Memórias de OutremOnde histórias criam vida. Descubra agora