Lúcio
Violante havia sido a primeira a sair da casa novamente, era visível a ansiedade em falar com a mestre recém aparecida, apesar das novas informações também importantes, pareciam ter muito a se falar.
Embora ele próprio tivesse muita coisa a tratar com ela, Lúcio havia decidido deixá-la resolver na ordem dela, ele próprio adiando entender o que sentia em relação a tudo.
Estavam ainda na casa, Eva parecendo constrangida com o demônio, Hiroto e a garota ruiva em torno dela, a um canto, enquanto Donato discutia com Verônica sobre ajudá-las, mas mediante a reobtenção daquela flauta medonha, quando ele próprio quis socá-lo por ainda pensar naquilo.
Chegou mesmo a puxá-lo pela camisa, mas a irmã o deteve.
Verônica o mandara se acalmar do lado de fora, e ali estava. Na hora pensara em responder, mas o olhar da irmã pedia que confiasse nela e, estranhamente, ele havia confiado?
A verdade é que não andava mais com vontade de discutir com a irmã, ela própria parecendo ter muito com o que lidar, coisas que ele jamais suporia. No fundo até a estava admirando por ser uma rebelde, e não a leal fanática que imaginara. Não que fosse admitir para aquela sabichona controladora.
Estava bem com ela não ter contado a ele, já que nunca fizera questão de ser próximo a ela antes. Mas já Violante...
Sentiu os pelos do antebraço se eriçarem, quando se pôs para fora, o tempo havia esfriado com o final do entardecer, os insetos da grama soltando um cheiro agressivamente acre quando a pisava. Sentiu mesmo um gosto ruim na garganta apenas com o cheiro.
Através da luz agressiva do sol poente, viu primeiro o agrupamento dos recém-chegados à direita, comendo e conversando, então viu as duas silhuetas ao longe, separadas dos demais.
Uma era esguia e de gestos fortes, expansivos, com as tranças saindo da parte de cima da cabeça e chegando quase a cintura, um chapéu pendurado ao pescoço; diretamente oposta a outra figura delineada, de pernas grossas e cabelo armado para cima, que ele conhecia tão bem. Esta última tinha a postura mais receptiva, quase na defensiva, olhou com mais atenção.
Ambas tinham a mesma altura e pele escura, o Sol atrás delas se poria em alguns instantes, o céu tingido de um amarelo-alaranjado, uma cena bonita de se ver. Mas Lúcio sentia certa apreensão em seu coração. Parecia que não estava pegando algo.
O piromante ainda se sentia perdido em relação a anuladora, embora não soubesse bem o porquê. Não haviam prometido nada um ao outro, ele já havia aprendido a não confiar nas pessoas, e no caso dela, ela sequer mentiu sobre a quem pertencia sua lealdade. Ainda assim, se ele soubesse quem ela era desde o princípio...
Violante parecera fascinante à Lúcio desde que a conhecera, a princípio pelas formas bonitas, uma silhueta curvilínea e bem feita de quadris atrás das barras da prisão, mas logo também pelo humor, meio matreiro e de raciocínio rápido, o jeito tagarela, curioso e debochado, mas sempre tão pacífico. Fora a impressão que ela lhe dera de início, uma impressão que a convivência só confirmara. Ela era quem demonstrava.
Mas até então achava que ela era uma leal, alguém que o trairia à primeira ordem do império, uma conjuradora seis ou sete anos mais velha que ele, embora não aparentasse, e que acreditava em ideias diferentes, ao menos era o que ele pensava, de forma que ele sempre se resguardara em relação a sentimentos, mas agora ela... soava como ele.
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Cicatrizes da Magia - Memórias de Outrem
FantasíaE se a queda do mundo houvesse criado uma era medieval mágica, onde existe um império repleto de elementos brasileiros? E se nesse mundo o dom da magia se revelasse muito mais como uma árdua provação do que uma benção? No Império de Cerne, pessoas p...