Lúmerus
Os bancos de areia irregulares fizeram com que tivessem de descer do navio principal às pequenas embarcações adjacentes. As montanhas eram gigantescas e numerosas, cobertas de árvores altas, densas, de um verde escuro, em oposição a grande faixa de areia que ligava o mar até elas, muito branca e sem nenhuma vegetação. Uma névoa espessa tocava as montanhas ao longe, impedindo imaginar o que havia além delas. Barulhentas e coloridas aves voavam sobre o céu, em bando, formando triângulos. Olhou para os dois lados procurando ver o fim de toda aquela vastidão, mas sabia que não veria; a exceção da areia, tudo era pura mata, fechada e infinita. Tentou ainda avistar, inutilmente, alguma construção.
Sensações estranhas tomaram Lúmerus ao pisar a areia. A princípio aquilo deveria ser apenas um local de exploração e reagrupamento, mas agora seria um reino. Sentiu-se raivoso pela enésima vez, ao lembrar do porquê de estar ali, mas também era uma alegria genuína pisar algo além do navio depois de tantos dias. Três dos seus ínamos haviam perecido somente nos últimos três dias, mesmo com tempo bom, vítimas de doenças estranhas. Temia que se permanecessem todos embarcados a doença alcançasse aos demais, mas em terra pareceu-lhe que todos já adquiriam aspectos melhores.
Sua comitiva local veio saudá-lo conforme a mensagem, mesmo que em número reduzido. Todos o reverenciaram conforme o costume: abaixaram suas cabeças e inclinaram-se à frente, a mão direita fechada encostando os nós dos dedos a costela esquerda, a mão esquerda igualmente fechada e estendida no ar.
Eram poucos, Steins, seguido de mais seis ínamos machos de classe inferior, o restante deveria estar guardando e trabalhando nas colônias. Reconhecia-os todos. Rúben, entre eles, mantivera as brilhantes asas flutuando acima do braço estendido, como se uma ave estivesse pousada ali, enquanto o encarava com seus olhos rosados, um lembrete de que fora ele quem enviara a mensagem. Lúmerus não gostava desse tipo de vaidade.
- Alteza, é um prazer imensurável tê-lo conosco! Aguardávamos tristíssimos e saudosos pedíamos sua chegada a salvo aos deuses!! Seja muito bem-vindo, estamos como sempre ao seu dispor e do Príncipe Judahk - Steins permanecia com seus maneirismos suaves e dramáticos ao mesmo tempo. Adivinhou que Judhak, atrás dele, de costas, devia ter feito uma cara de repulsa.
- Ficamos muito tristes ao saber da queda de Bravius. Gostaria de estar lá! Ter usado minha espada em favor do nosso grande Rei-Juiz! - disse um ímano forte, de pele clara, com chifres brancos saindo de um cabelo curto, um olho azul e o outro vermelho. Segurou o cabo dourado de um Sabre, contendo um rubi vermelho como um de seus olhos. Havia algo de astuto em sua voz que ia além da mera lisonja.
- Eu então, moveria as montanhas pra estar lá! - disse outro mais bruto, baixo de estatura, uma massa de músculos e banha. Era careca e um dos seus chifres cinzentos só possuía a base. Era uma honra para muitos ínamos guerreiros perder um chifre em batalha, ainda que fosse uma humilhação perdê-lo fora.
Lúmerus os reconheceu como Malfos o Lâmina do Sol e Demétrius o Ferreiro da Rocha, respectivamente, guerreiros de primeira linha do irmão, que agradeceu as condolências com um aceno de cabeça. Fez o mesmo. Sentiu um clima de competição entre aqueles dois. Posições iguais geram disputas.
- Apenas estes sobreviveram? - disse Steins, referindo-se ao baixo número de ínamos atras deles.
Steins era bem alto, quase de sua altura, magrelo e ágil, de pele muito branca. Seus chifres pálidos eram compridíssimos e desciam para suas costas, como se tentassem acompanhar o cabelo grisalho comprido. Seus olhos eram rosados.
Ele era o antigo Guia Real. Suas funções eram principalmente guiar e proteger ao Juiz-Rei e familiares, incluindo providenciar locomoção e transporte e trajar rotas de fugas em casos de emergência. Lúmerus também o tinha como um bom conselheiro. No entanto fora enviado àquelas terras nas primeiras missões. Suas habilidades fizeram falta - pensou, mas nada disse.
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Cicatrizes da Magia - Memórias de Outrem
FantasyE se a queda do mundo houvesse criado uma era medieval mágica, onde existe um império repleto de elementos brasileiros? E se nesse mundo o dom da magia se revelasse muito mais como uma árdua provação do que uma benção? No Império de Cerne, pessoas p...