Sombras - O descuido que vem com a proximidade

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Lúcio

(Alguns meses atrás)

Estavam parados, como sempre apenas Donato e ele, em frente ao castelo da Consulesa. Poderia ser uma fortificação bastante bonita, não fosse o clima local, pois possuía uma arquitetura cheia de detalhes, anjos e gárgulas das religiões antigas, esculpidos em pedra em seus telhados, pilastras com relevo de folhas formando linhas horizontais, paredes recobertas de pedras claras... mas estava tudo tão coberto de limo, que devia crescer bastante naquele lugar úmido, que parecia algo mais para o impressionante que para o meramente belo.

Para aumentar ainda mais a umidade, além da garoa constante, e que naquele dia caia tristemente, os deixando ensopados e com frio; havia uma enorme, bela e barulhenta cachoeira muito próxima a lateral direita da fortaleza, que desaguava ferozmente no rio por onde uma ponte levava ao portão principal. Possuía muitos metros de altura em sua queda d'água e, como tudo em volta eram só grandes montanhas cobertas de verde, fazia um barulho alto e constante que era ampliado pelo local.

O barulho estava interferindo nas magias de som que quase sempre usavam para invadir locais desse tipo, evitando maiores problemas. Até ali, já haviam sido muitos os lugares onde haviam entrado e saqueado, Donato sempre pondo todos para dormirem com alguma sinfonia de manipulação ou algo parecido e, após todos caírem, ele só tinha que explodir as eventuais barreiras físicas, portões, trancas, baús ou o que fosse. O bardo cumprira sua promessa e Lúcio havia conseguido muita riqueza andando com ele.

Comiam e bebiam o que bem queriam nas tavernas, vestia-se bem, arranjava aventuras amorosas (embora por algum motivo o companheiro nunca o acompanhasse nesse tipo de "caçada", por mais que as garotas sempre o achassem muito bonito), partiam sem que dessem mais satisfações. Porém, estava claro que não era isso que o cancioneiro procurava.

O outro era mais fechado, preferindo na maioria das vezes ficar estudando ou tocando, acabara se acostumando com isso é bem verdade, no entanto entravam em lugares cada vez mais estranhos à procura de pistas de algo cujo nunca era revelado exatamente o que era.

Lúcio o via revirar objetos que pareciam sem valor, ficando contente ao achar desenhos que pareciam inúteis ou informações que pareciam não ter conexão, até que por fim se cansou de tudo aquilo, de não saber, e ameaçou desertar. Sem saída, o outro acabou por confessar que o que queria era Poder. Mais especificamente um objeto.

- Chama-se a Flauta Corrompida de Akuanduba - contou - É um dos objetos mais poderosos que um Bardo pode ter. É uma lenda muito antiga, dizem que um dos deuses mortos que criaram o mundo a tocava para criar, mas a corrupção do homem, que fez com que estes destruíssem o mundo com suas magias de fogo uma vez, corrompeu diversos dos objetos sagrados destes deuses antigos. O objeto que desejo é, hoje, uma poderosa arma de destruição. Eu o quero para me vingar de alguém, contou.

Lúcio sabia que, diferente de si, a maioria dos conjuradores criava um vínculo mágico com algum tipo de objeto físico, armas, pedras ou objetos; que facilitavam a canalização de seus poderes, os chamados fetiches materiais. Sabia que seu amigo bardo, por exemplo, precisava de uma flauta para conjurar suas magias. Possuía duas flautas de Uirapuru feitas de canudos. Não precisava ser sempre a mesma flauta, o que tornava seu fetiche o tipo mais comum. Mas não sabia como funcionava usar um fetiche lendário.

- Como talvez você saiba - continuou - Alguns conjuradores, diferentes do padrão, tem seus poderes restritos a um único objeto, uma faca única no mundo, uma pedra que carregavam desde a infância...normalmente estes objetos só tem utilidade ao próprio conjurador enquanto em vida. Eles costumam ser muito poderosos. Naturalmente, a magia deixa o objeto se o criador ficar muitos anos sem portá-lo ou morrer mas... em casos raros, o poder do conjurador e o investimento que punha de si mesmo no objeto era tanto... que a magia permanecia, mesmo anos após sua morte! Objetos lendários não passam de poderosos fetiches que estão ativos há milênios...

Cicatrizes da Magia - Memórias de OutremOnde histórias criam vida. Descubra agora