Judhak
- Olha essa guarda baixa. Não pare de atacar, avance, mas proteja essa parte exposta à altura do coração. Não pare de se guardar. Nunca! - sempre dizia Donovan, o grande mestre de armas das forças de Lúmerus, em sua memória. Avançava e se esquiva, aquele sorriso irritante justamente o provocando a atacar, até a lâmina fria do oponente aproveitar-se da distração e tocar-lhe o peito desguardado.
Não importa quanto tempo passasse, sempre era capaz de lembrar-se da sensação da pontada, o oponente podendo tirar-lhe a vida, mas recuando em um sorriso gentil. O mestre que nunca derrotava. Sempre prestar atenção a espada, mas se ao invés tivesse reparado nas palavras, teria sido como se ele o tivesse alertado.
Não. Zomabava de mim!
O manipulara fingindo ser um deles, enquanto compartilhava de seu teto e comida, bebera, treinara e lutara com eles e... na verdade era um espião e o amante da Aberração. Impedira-o de estar ao lado do rei e de usar seus dons para alertar o irmão durante o golpe, tornando ele próprio um traidor. Fingira ser o seu mentor, o seu melhor amigo, e muito além ...
- É muito bom revê-lo, príncipe - disse uma versão mais magra do traidor, o trazendo a atualidade, Donovan estava realmente diante dele! - Eu sempre me perguntei se teria a oportunidade.
- Eu lhe digo o mesmo. Espero que aprecie a beleza do lugar onde será morto - disse, retirando Sede da bainha.
O outro sorriu enigmaticamente, a postura relaxada como se aquilo ainda fosse um treino entre eles.
- É mesmo um lugar muito bonito. As montanhas são tão verdes. Não tão bonitas quanto o Ninho da Quimera, em Bravius, embora lembrem bastante de longe. Mas as coisas só o são uma vez - finalizou calmamente com um ditado típico de Bravius, testando e movendo Carma, a mesma lâmina que tantas vezes cruzara com Sede, sem tirar o olhar do horizonte, uma postura habilidosa e ao mesmo tempo pouco hostil.
Tenta brincar com a minha mente.
- Tem certeza que deseja resolver dessa forma? - acrescentou o outro - Ambos já não perdemos o bastante por conta de nossos soberanos?
- Nós perdemos Bravius, nosso feudo, guerreiros, nossa dignidade! O que vocês perderam?!
Donovan abaixou a cabeça, numa leve risada irônica.
- É preciso ter algo para se perder. E o reinado de seu irmão sempre permitiu que alguns poucos tivessem muito, mas outros muitos eram limitados ao pouco. Ou ao nada.
- Acredita que não demos nada a você?
- Ah, deram. Sim. Eu era um dos que não tinha quase nada até conhecer vocês, quando muita coisa mudou. Só que não é porque então eu tive algo que eu pude esquecer dos que eram como eu. Era um mundo onde não havia lugar para todos. Ainda o é, mas nós tentamos mudar. O que mais eu poderia fazer?
- Poderia não ter me usado! - Judhak decidiu não dar mais tempo ao inimigo, partiu para cima com tudo.
Deu um ataque horizontal furioso e expansivo, mirando a cabeça, ao que Donovan não tentara aparar, apenas se esquivando. Judhak voltara o movimento, agora dando verticalidade a Sede, ao que Donovan, por vez, deslocara-se de lado.
Sede avançara novamente, dessa vez sendo bloqueada por Carma que, em um movimento quase gentil, roçara-lhe o ombro, raspando-o durante o bloqueio.
A princípio deveria ter sido um golpe leve, um arranhão, mas o brilho cor de vinho tomou a mortal rapieira por um breve instante, no recuo, o corte superficial então tornando-se um talho profundo em resposta, qualquer golpe dado por aquela arma se intensificando após o corte. Um rasgo superficial se tornava uma ferida funda, um rasgo profundo poderia se tornar uma dilaceração.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Cicatrizes da Magia - Memórias de Outrem
FantasyE se a queda do mundo houvesse criado uma era medieval mágica, onde existe um império repleto de elementos brasileiros? E se nesse mundo o dom da magia se revelasse muito mais como uma árdua provação do que uma benção? No Império de Cerne, pessoas p...