Miríade
A luz do sol entrava radiante através das três largas janelas de vitrais do aposento grande e espaçoso. A luz, através da cortina, dava ao quarto uma iluminação púrpura. Sentada em sua majestosa pilha de almofadas de penas, macias como um sonho, amontoadas a um canto no chão do quarto, Miríade sentia-se extremamente desconfortável. A grande cama de madeira escura, no lado oposto do quarto espaçoso, parecia-lhe mortalmente enfadonha também, quando deitava-se na mesma ficava rolando, tentando descobrir o que fazer da vida agora.
Vestia um vestido fino rosado e comprido que marcava-lhe bem o corpo alto e esguio. Possuía uma boca avermelhada e provocante, a pele marrom e bonita, mas ultimamente tinha negras olheiras contrastando com seus olhos violeta, e as faces já não eram mais tão coradas. Os longuíssimos cabelos louros e muito encaracolados estavam sempre em desalinho, dos pequenos chifres rosados ao final das costas. Tinha pesadelos constantes, estava sempre a sentir a própria nuca latejar e vivia uma vida de ansiedades. As tão aguardadas notícias de além-mar nunca vinham.
_ Isso tudo é tão irônico - disse para si, passando a mão na juba de caracóis, em uma alegria triste; refletindo sobre o caminho que a levara até ali.
Procurara a vida toda por algum conforto e liberdade, e ao mesmo tempo sentia-se como se não soubesse o que faze com essas coisas, era como se não devesse estar ali e sim fazendo algo mais... Era tudo tão confuso! Nada em sua vida parecia ser isto ou aquilo. Tudo sempre parecia tão complexo nesse mundo.
Tudo começara ao nascer. Fora considerada uma aberração, e vendida para mercadores de escravos. Pelo menos era isso que supunha do começo de sua história, a qual era nova demais para se lembrar; em sua primeira memória já se encontrava no distrito dos bordeis. A princípio, limpando e faxinado, sendo tratada como um filhote macho de ínamo frágil e inatural. Mas começara a crescer e desenvolver outras formas, formas surpreendentes, e assim outras formas piores de explora-la também foram desenvolvidas.
Era para lugares como aquele que eram mandados a maior parte dos ínamos "exóticos" como ela, sendo "exótico" o termo gentil. Eram excluídos da sociedade e tratados como aberrações; mas a noite eram procurados, desejados, eram a fantasia de vários daqueles malditos hipócritas que os tratavam mal e os agrediam fora dali!
Os ínamos achavam complicado entender o que ela era, mas era bem simples. Nascera com os dois sexos. Fisicamente. Quando criança, era vítima de todo tipo de maldade e desprezo, e sempre tentava esconder sua condição o mais que podia. Era uma coisa reta, então a tratavam como um filhote macho. Porém conforme começou a crescer, ao invés de começar a ter muitos pêlos, uma barba, o lado feminino quem se desenvolvera mais, começou despertar curvas, seios e, principalmente, olhares...
Logo decidiram mudar suas "funções" por ali. Na primeira noite teve muito medo e chorou horrores, antes, durante, e principalmente depois do ato, aquelas mãos enormes e nojentas em todo lugar, aquele corpo muito mais forte rompendo o corpo dela... O mesmo nas noites posteriores, porém nunca desistirá de sobreviver aquilo, não importava como. Todos que viviam ali sobreviviam, então tinha que conseguir também. Aprendera, se fortalecera, não se permitia mais chorar na frente de quem fosse. Se tornara a dominante na maioria das relações.
Começara como escrava, mas tão grande era o sucesso que fizera que logo percebeu que tinha potencial, sabia que conseguiria sair dali. Aprendeu a manipular os machos que a procuravam, a obter trocas, a ouvi-los e principalmente a ganhar informações . Tomara uma baita surra uma vez, de seu antigo dono, por esconder as moedas que frequentemente ganhava como um agrado extra. Quase morreu de tanto apanhar.
Mas ali já não era mais a mesma. Ele cometeu um erro. Era melhor te-la matando. Um erro do qual se arrependeria. Esfaqueou-o durante a noite, no ponto certo das viceras, para que sentisse muita dor, como apendera certa vez com um de seus clientes; então fugiu.
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Cicatrizes da Magia - Memórias de Outrem
FantasyE se a queda do mundo houvesse criado uma era medieval mágica, onde existe um império repleto de elementos brasileiros? E se nesse mundo o dom da magia se revelasse muito mais como uma árdua provação do que uma benção? No Império de Cerne, pessoas p...