Lealdades e faltas - O não reincidir

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Judhak

Sentia-se cansado. Era já o terceiro domínio conquistado que visitavam, um lugar chamado pelos humanos de Preces, bastante a oeste da região central do império deles. Tudo ali era ordinário, casas de madeira, praças, comércios, estábulos... e muitos, muitos humanos. Era entediante. A exceção do forte do nobre local, tomado por eles, a maior parte da cidade consistia em área não murada, o que descobrira ser o mais comum naquelas terras.

Não só em Bravius, mas em grande parte do continente de Épocas, era comum que os nobres erguessem muralhas que protegessem não só seus fortes e castelos, como sua corte e as terras ao redor, porém naquele país, talvez por ser um império unificado, aparentemente a maior preocupação dos nobres aparentava ser garantir sua segurança contra seus próprios vassalos e servos esfomeados, e não eventuais guerras entre pequenos senhores. A maioria dos muros cercavam propriedades.

Esperava conseguir informações mais valiosas por ali, mas era difícil acreditar que um lugar tão pacato teria as informações necessárias. Ouvira dizer de uma família xamânica capturada, e que sempre vivera bem próxima ao coração da mata há muitas gerações, isolados, talvez conseguissem alguma informação diferente dessa vez.

Estava montado em uma das bestas que eclodiram dos enormes ovos verde-musgo que trouxeram do velho continente, um enorme lagarto de raio de um metro e meio de altura por mais de quatro de comprimento, considerando da cabeça a cauda, todo rajado de vermelho e preto, com uma tira branca brilhosa que ia até a ponta do largo rabo; o tipo de criatura fria e traiçoeira que sempre odiara.

Controlava-o por meio de um calejador, fixado a boca grossa do animal ao nascer, e que espinhava a boca do mesmo quando se movia na direção oposta à rédea. Era uma montaria detestável, mas incrivelmente veloz e eficiente em terras tão ensolaradas. Suas juntas começavam a doer após tantos dias montado no vão que havia às costas do animal.

Teria visitado de bom grado a todos os lugares a pé, mas a distância entre eles era grande demais pra isso. Mesmo assim estava tão cansado agora que não se animara a descer do bicho para andar e esticar as pernas doloridas, sobre as ruas de terra batida da cidade conquistada.

Tudo naquele mundo parecia muito grande e distante. Em seu feudo natal as cidades ficavam a dias de distância caminhando, mas naquelas terras a distância podia chegar a semanas. O novo reino se expandia gradualmente. Lúmerus, seu irmão-rei, parecia mais empolgado, ainda que não houvesse encontrado o que realmente procurava, as expansões territoriais só progrediam.

Atacavam cidades centrais dos chamados humanos, ficavam com suas comidas e terras, e aqueles cujo não matavam, escravizavam. Judhak desprezava isso. Preferia a expulsão ou mesmo a morte para aquelas criaturas fracas e meio patéticas, mas o irmão julgava necessário mante-los como a força de trabalho.

Os humanos irritavam-no particularmente quando choravam muito ou se desesperavam em sua presença, um desconforto que não sabia explicar. Não lhes via brio, nem mesmo força o suficiente para a servidão, preferiria soltar todos e deixar que seus ínamos tomassem conta de tudo. A resistência que tentavam fazer quando eram atacados era mínima, a maioria preferia se humilhar e implorar pela própria vida a lutar. As fêmeas choravam horrores por suas crias raquíticas.

Era raro um humano com qualquer traço mágico e, quando o tinham, era frequentemente algo frequentemente rudimentar e inútil, sem qualquer tipo de direcionamento, não bastasse a constituição física que tinham ser geralmente inferior a de um ínamo.

Ainda assim eram muito mais numerosos que eles, com as baixas que tiveram, acabaram precisando de seus serviços para cultivo dos alimentos, construção, pastoreio de seus diferentes animais (e que tinham um gosto muito bom por sinal), carregamento de pedras e manutenção do domínio como um todo.

Cicatrizes da Magia - Memórias de OutremOnde histórias criam vida. Descubra agora