V

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Voltamos para o abrigo, sigo Agna de perto. Olhar para os lados me deixa um pouco atordoada, a luz da lua que entra pelas frestas entre as folhagens não parece o suficiente. Tropeço em algo e quando vejo estou de joelhos e mãos no chão. Sinto uma dor aguda nas mãos, agradeço por Agna enfaixá-las.

- Tudo bem? - ela segura meu braço e levanto gemendo um pouco, a dor no lado esquerdo é algo que não posso ignorar. Me apoio nela e sou puxada para cima.

- Obrigada. - sussurro. Ela sorri e não me sinto tão assustada mais com seus dentes.

- Tem tropeçado desde que saímos da lagoa. - dou-lhe um sorriso amarelo.

- Não enxergo bem... - não vejo seu rosto tão bem, mas sei que ela fez uma careta.

- Mas hoje está claro. - pisco várias vezes. "Talvez seja por causa das dores!"

- Talvez minhas vistas estejam mais escuras por causa da dor. - ela solta meu braço e segura as mãos das crianças.

- Diga se quiser que ande mais lentamente, mas temos que sair daqui. Está ferida e o cheiro de sangue é um prato cheio para as narinas de vários animais.  - ela se vira e volta a caminhar. Olho para o chão na esperança de não tropeçar para cair novamente. Em um braço carrego minhas roupas molhadas e as faixas molhadas que Agna lavou. Estou usando uma das saias e top que ela usa e me sinto tão exposta, sei que vou querer morrer quando os outros me verem. Sou tão patética em comparação com Agna, apesar de compartilharmos as mesmas características, ela tem cabelos mais cheios que deixou cair em suas costas agora. Soltos. Fios negros lindos. A pele bronzeada é de invejar e tenho quase certeza que todos tem essa cor amendoada.

Algumas coisas me chamaram a atenção, seu sabonete é diferente, parece limpar mais, porém não espuma tanto e fiquei chocada quando ela usou ele para lavar os cabelos. Confesso que foi o banho mais estranho que já tomei. A pasta de dentes era pastosa porém sinta como areia em minha boca. Duvido não ter limpado meus dentes. Apesar disso tinha o frescor necessário. Descobri que os objetos na mão dela eram as escovas e senti um pouco de asco a princípio. Não fiz questão de perguntar do que esses materiais são feitos. Me sinto um pouco assustada ainda.

Coloquei os tênis até sairmos da mata e vou tirá-los para secar assim que estiver no abrigo deles. Assim que chegamos perto ela olha para trás.

- Já pode tirar essas coisas. - ela aponta o tênis.

- É um tênis. - digo e uso a frente para tirar os calcanhares. Faço o mesmo com o outro apoiando as pontas dos dedos no material e puxando o calcanhar. Piso na grama e me abaixo lentamente pegando eles.

- É algo incomum para nós. - olho para frente e ela se abaixa próximo às crianças, vejo quando coloca uma ao lado da outra e se ajoelha em frente. - Vão, digam a seu pai que ficarei com Aisha hoje, ela está ferida e sua pele é consideravelmente mais fria que a nossa. Precisa se manter aquecida. - a menina assente e puxa o irmãozinho pela mão. Eles entram no abrigo e ela caminha até mim. - As noites são geladas.

- Mas esse abrigo gigante não protege contra o vento? - ela nega.

- É um edifício e não, não protege. Protege da chuva, mas o frio é mais complicado. - assinto. - Temos roupas para o frio, mas deixamos armazenadas em um depósito. São conservadas para quando chega o inverno.

- Nunca participei de um verão, inverno, outono ou primavera. São palavras que ouvi de minha mãe. Ela contava histórias para eu dormir, histórias que meu avô contou a ela. Elas eram cheias desses edifícios aí. - aponto para frente. - Era mágico, mas nunca nem cogitei ver árvores, animais ou participar dessas estações.

Madroc - Série Esquecidos - Onde histórias criam vida. Descubra agora