Capítulo XIII

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 Eu não conseguia entender, de maneira alguma aquilo fazia sentido para mim. O olhar dele quando estávamos na floresta nos escondendo do urso, eu via o brilho de algo se incendiando dentro dele, minha pele ainda formigava no lugar em que seu braço enlaçou. Ainda sentia a camisa dele presa entre meus dedos. E então tudo acabou. Talvez aquilo na floresta fosse coisa da minha cabeça, mas antes disso tínhamos estabelecido uma relação relativamente amigável, ele nunca chegou a falar daquela maneira comigo antes. Não que eu fosse desmenti-lo, afinal, ele estava certo. Mas me feriu. Me feriu mais do que eu podia permitir. Ele não viu o quanto aquilo havia acertado em cheio, ou se viu, não demonstrou se importar. O que eu esperara afinal? Que ele viesse gentilmente secar minhas lágrimas por ter jogado a verdade em minha cara como se fosse uma tijolada? Eu não era tão ingênua.
 Depois da troca de gentilezas que tivemos, eu me retirei para minha tenda antes que qualquer um pudesse ver as lágrimas brilhando em meus olhos. Alguns dos guardas me chamaram para comer, mas a fome havia sumido completamente. Lembrei-me de Thesig, aquela mulher gentil de sorriso amável, o tanto que havia sofrido nas mãos de thoranianos, pessoas próximas a ela de certa forma. "Eu jamais poderia respeitar alguém tão cruel", Ghurab dissera e aquilo ecoava em minha mente, causando uma dor profunda em meu âmago. Eu queria voltar à aldeia para simplesmente abraçar Thesig e implorar seu perdão por tudo que ela havia passado enquanto nos mantivemos ignorantes no conforto do Salão Central.

 Quando saí de minha tenda, todos já haviam comido. Manva e Ghurab instalavam a nova porta na cabana sob o olhar atento de meus guardas. Somente Manva olhou em minha direção e franziu a testa. Desviei-me deles e avisei a um dos guardas que não deixasse que ninguém fosse até o grande lago e segui até lá, me enfiando mais uma vez na floresta. Ao chegar à margem do lago, tirei minhas roupas e as deixei dobradas no chão, saltando para dentro da água em seguida. Eu precisava de um banho frio, quem sabe acalmasse minha mente. Esfreguei minha pele e meus cabelos com fúria, o que resultou em alguns arranhões. Resolvi então só nadar um pouco, gastar energia era um ótimo jeito de relaxar. Exaurir meus músculos até ficar completamente entorpecida.
 Acabei perdendo a noção de tempo enquanto nadava, mantendo minha mente em silêncio pelo máximo de tempo que consegui, me concentrando nas braçadas na água, para lá e para cá, indo e voltando dezenas de vezes. Contando os segundos em que conseguia me manter submersa. Quando dei por mim, o sol já estava muito avançado no céu, quase no crepúsculo. Meus dedos já pareciam ameixas secas. Comecei a nadar de volta até a margem do lago na qual tinha deixado minhas roupas, no exato momento em que um guaxinim se aproximou delas e as pegou em suas patas com dedinhos engraçados.
 "Não! Solte isso aí!", comecei a nadar mais rápido até a margem, o que fez o guaxinim sair correndo com as minhas roupas. Tentei acompanhá-lo com o olhar para ver em que direção seguia, mas rapidamente o perdi de vista. Por sorte não tinha levado minhas armas até ali, senão as teria perdido também.
 Mas eu estava nua. Dentro do lago. Sozinha. Estava absolutamente fora de cogitação ir até o acampamento daquele jeito, com apenas folhas ridículas cobrindo meu corpo. O que faria? Coloquei as mãos sobre o rosto e senti vontade de esfaquear alguma coisa. Nem mesmo isso eu poderia fazer, já que estava desarmada também. Mas então uma ideia surgiu em minha mente. Eu odiei. Eu odiei com a força de mil sóis. Mas não estava dispondo de muitas opções naquele momento.
 Respirei fundo e coloquei as mãos em concha ao redor dos lábios, imitando o uivo de um lobo. O uivo foi respondido por outros dois. Então fiz de novo. Pelo Céu, que ele não levasse todos os homens até ali.

 Alguns minutos se passaram e Ghurab irrompeu da floresta com um olhar selvagem. Havia algo mais ali, mas não soube identificar. Atrás dele havia apenas um homem, aquele que eu avisei para não deixar ninguém ir até o grande lago. Então os dois me viram na água. O guarda imediatamente virou-se para outro lado. Mas Ghurab manteve os olhos em mim. Senti meu rosto esquentar e abracei o corpo para cobri-lo, abaixando a cabeça para que meus cabelos escondessem-me da maneira que fosse possível. Não ouvi ele se aproximar, mas quando falou, sua voz estava próxima.
 "Parece estar em apuros novamente."
 "Não há nenhum urso dessa vez, para sua infelicidade."
 "Estou vendo. Precisa de ajuda?"
 "Não de você."

Beldarrien - A Coroa AmaldiçoadaOnde histórias criam vida. Descubra agora