Capítulo XVI

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 Perdi a noção do tempo enquanto fiquei deitada na grama, minha cabeça viajava de um lado para o outro. Imagens de uma floresta desconhecida, um halito quente soprando em meu rosto. Tão rapidamente quanto veio, a imagem se foi e eu me sentei. Ghurab não estava mais ali. Estremeci e senti meu estômago se revirando, só tive tempo de me virar para o lado e vomitar na grama. O que tinha acontecido? Eu me lembrava da sensação dos lábios quentes de Ghurab contra os meus, e então eu não estava mais em meu corpo. Eu só podia estar ficando louca, alucinando no meio da floresta. Me levantei e lavei o rosto no lago, vesti minhas roupas e voltei para o acampamento. Os guardas me falaram que ele havia voltado um pouco antes, pálido como a morte e correu para dentro da cabana. Manva estava perto da fogueira, ele me observava com atenção, não havia nenhum traço de bom humor em seu rosto. Fechei a cara e então comecei a andar batendo os pés até a cabana. Precisava vê-lo, saber o que havia acontecido no lago.
 Antes que eu pudesse alcançar a porta, uma mão grande me puxou para trás e me derrubou no chão. Manva parou sobre mim e grunhiu algumas palavras em brakbariano. Rapidamente meus guardas estavam ao redor dele, com suas espadas apontadas para o bárbaro. Me levantei num impulso e o empurrei pelos ombros, com tanta força que ele bateu contra a porta da cabana.
 "Saia da minha frente, eu preciso falar com ele."
 Ele berrou comigo em sua língua, consegui entender rapidamente a menção do nome de Ghurab e nada mais. Saquei a adaga que havia recuperado na margem do lago e apontei para ele.
 "Eu mandei você sair, bárbaro!"
 Manva começou a avançar em minha direção, sem se intimidar com minha adaga ou as espadas de meus guardas apontadas para ele. Ele deu só alguns passos, até que foi puxado com força para trás e caiu no chão. Erguemos o olhar ao mesmo tempo. Ghurab o encarava com um olhar que eu não poderia chamar de humano. Ele parecia estar em chamas. Falou em tom ameaçador com Manva em brakbariano e então se voltou para mim. Seu rosto emanava uma frieza cortante, além de estar levemente pálido.
 "O que você quer?", grunhiu.
 "Quero falar com você. Em particular."
 "Eu não tenho o que falar com você, Alioth. Fique longe de mim."
 Parei no lugar, sem ter certeza se havia escutado direito.
 "O que?"
 "Quero que fique longe de mim e de Manva. Não somos seus amigos e jamais seremos. Você me pediu para tomar uma decisão e eu a tomei. Fique. Longe. De mim."

 Toda a floresta pareceu entrar em um silêncio profundo, as batidas do meu coração ecoavam em meus tímpanos. O ódio no rosto de Ghurab era tão intenso que eu dei um passo para trás, afastando-me dos dois.

 "Como quiser.", respondi e dei-lhes as costas.

 Engoli o nó que se formara em minha garganta enquanto caminhava até meus homens. "Vou até as residências providenciar as tarefas dos dois."

 O guarda assentiu. "Sim, general. Recebemos uma mensagem do centro de Thorae, é para você." Avisou e entregou a mim uma carta. Agradeci e fui para minha tenda. Entrei na mesma, sentei-me sobre o saco de dormir e abri a carta. Estava identificada como de Thesig, mas a caligrafia era de Thuban.
 "Alioth, obrigada pelo presente. Estou fazendo um bom uso dele, não sei se jamais serei capaz de agradecê-la o suficiente. Comprei uma casa com ele, e ainda sobrou muito dinheiro para que eu passe bem por muito tempo. Thuban está me ajudando com os detalhes. Consegui um emprego também, na enfermaria. Você, de fato, mudou a minha vida. Espero que volte logo, com eterna gratidão, Thesig."

 Dobrei a carta com carinho, pousando-a no saco de dormir ao meu lado. Ergui os joelhos e os abracei, pousando o queixo neles. Uma lágrima silenciosa escorreu por meu rosto. Eu precisava estar ali por ela, precisava consertar as coisas em Thorae. Mas sentia falta de estar perto dos meus amigos. Eles saberiam o que me dizer num momento como aquele. Talvez eu tivesse sido ingênua, afinal de contas. O que eu estava esperando? Eu e Ghurab, isso nunca seria possível. Éramos inimigos. Ou pelo menos nossos povos eram. Por culpa dos thoranianos. Pela primeira vez, senti-me sozinha como jamais estive, mesmo exercendo minha função como militar, naquele momento não era o suficiente. Parecia que desde que coloquei os olhos em Ghurab, alguma parte de mim estava estranha. Como uma peça solta, que ficava batendo pra lá e pra cá dentro de mim e eu não conseguia encontrar um lugar para colocá-la, por mais que tentasse. Talvez me afastar fosse o melhor a fazer. Aquela sensação poderia passar.

Beldarrien - A Coroa AmaldiçoadaOnde histórias criam vida. Descubra agora