Capítulo XXV

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Finalmente havíamos deixado aquele lugar. Se eu não estivesse completamente ciente do nosso próximo destino, talvez eu comemorasse mais. Mas não era exatamente esse o caso. Eu não sabia o que esperar de Hudra, certamente nenhuma recepção calorosa do exército thoraniano. As coisas haviam mudado um pouco quando estávamos em Thorae por terem simplesmente se acostumado com nossa presença obrigatória lá. Ainda havia momentos em que eu precisava reunir boa parte da minha força de vontade para não quebrar alguns narizes empinados, e por esse fato, eu estava feliz em deixar Thorae. Agora, a grande ilha que os militares thoranianos ocupavam era algo completamente diferente do que havíamos vivido em seu país de nascença.

 Não era ansiedade que eu sentia, nem de longe. Talvez um leve receio, a irritante sensação de simplesmente não saber o que me esperava. Tínhamos estudado os mapas para a viagem e Alioth explicara resumidamente, então eu sabia da disposição territorial e a divisão dos distritos. O que não significava quase nada.
 Assim que consegui silenciar as reclamações dos três homens insatisfeitos por dividir um cômodo, subi até o convés e a encontrei no timão. Seus olhos verdes estavam focados no horizonte, como se já pudesse ver claramente a ilha para qual estávamos indo. E brilhavam, como eu nunca vira antes.
 "Conte-me mais sobre Hudra." Falei assim que me aproximei.
 Alioth abriu um leve sorrisinho, sem tirar os olhos do mar.
 "O que deseja saber, Ghurab?"
 "Supondo que sejamos recebidos com tochas e forcados, o que a general me aconselha a fazer?"
 Ela franziu a testa e olhou para mim por apenas um instante antes de voltar sua atenção ao mar.
 "Eles não fariam isso." Balançou a cabeça para afastar os fios de cabelo que açoitavam seu rosto com o vento. "Eles dispõem de armas muito boas para ameaçar vocês com forcados."
 Apesar do bom humor dela, não consegui ecoar o sentimento, então esperei que ela respondesse.
 "Vamos tentar manter a calma quando chegarmos lá. Não especifiquei na mensagem quem eu estava levando para lá. Achei que não seria cabível para o momento."
 "Certo. Então me fale sobre a ilha, sobre os distritos."
 "Está estranhamente curioso hoje."
 "Deve ser a ameaça de morte eminente."
 Levou um minuto para que ela respondesse.
 "Hudra é... Algo que eu sempre desejei. Comecei cedo meu treinamento militar e sempre ouvi histórias sobre a ilha, como as pessoas viviam ali, o que faziam. Não são como a guarda que é mantida em Thorae. Eles são mais preparados, bem treinados e vivem em paz na ilha. Existem famílias que estão lá há gerações, sempre aprendendo e crescendo em números."
 "Por que eles vivem separados do resto do povo de Thorae?"
 Ela deu de ombros e virou o timão suavemente, sabendo exatamente o que fazia.
 "Dizem que o exército thoraniano já foi tão grandioso que Thorae não conseguia comportar seus números. Separar os militares dos civis é algo que existe desde antes do governo de Sylthor."
 "Então mandaram seus exércitos para uma ilha, e lá eles construíram sua própria civilização?"
 "Tecnicamente. Ainda mantemos observação constante na ilha, relatórios são mandados mensalmente de cada um dos distritos."
 "Não costumam visitar com frequência?"
 "Assim que subi ao cargo de general, fui até Hudra algumas vezes para manter tudo em ordem. Eles praticamente se governam lá, mas a voz superior continua sendo a minha ou a de Cepheus. Nós damos a última palavra em qualquer decisão tomada por eles."
 "Como funcionam os distritos exatamente?"
 "Quantas perguntas."
 Cruzei os braços sobre o peito e encarei o mar adiante. Estávamos perto do pôr do sol.
 "Quando vivi no Monastério, estudei sobre diversos territórios, li pilhas de livros sobre Beldarrien, estudei seus mapas e aprendi suas línguas. Mas Hudra sempre foi um ponto de interrogação em todos os registros. Talvez porque não esteja exatamente em Beldarrien, ou porque não houvesse muito o que falar sobre ela."
 "Você realmente sabe todas as línguas de Beldarrien?"
 Assenti uma vez e caminhei até a amurada, observando o mar abaixo de nós se chocando contra o casco do navio.
 "Até línguas que já não são mais faladas. Eu não sabia o que encontraria quando deixasse a muralha do Monastério, então aprendi todas elas." Virei-me para ela, apoiando o quadril na amurada. "Sou um homem preparado."
 Alioth virou a cabeça para olhar para mim, sem soltar o timão.
 "E todas essas perguntas são para se preparar para o desconhecido?"
 "Sim."
 Assentiu e passou a mão nos cabelos, tentando em vão manter os fios soltos no lugar.
 "Pois bem. Hudra é nossa única parceira comercial, já que não temos outros lugares conhecidos povoados pelo Mar Nehal. Por exemplo, lá há dezenas de minas, de onde tiramos a matéria para forjar as armas e várias outras coisas. Não sei se reparou, mas não temos minas em Thorae, só as plantações."
 "Eu reparei." Eu não tinha reparado.
 "Certo. E de lá vem também as joias e tecidos. Pelo menos uma vez a cada dois meses, um carregamento é levado de Hudra para Thorae para ser comercializado."
 "E tais serviços são pagos?"
 "Sim, mas não em dinheiro. Fornecemos a eles os alimentos. Grãos, vegetais, até alguns animais para criação. As plantações lá são escassas. Digamos que é um serviço por outro."
 "Me parece uma troca justa."
 "Mas não pense que eles não recebem dinheiro. Eles ficam com uma porcentagem do que conseguem nas minas e levam o resto para Thorae."
 "Então há ouro lá também?"
 "Há muito mais."

Beldarrien - A Coroa AmaldiçoadaOnde histórias criam vida. Descubra agora