Capítulo XVII

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 "Sabe que não vou te pressionar quanto a isso, mas gostaria de saber o que aconteceu para que você ficasse tão mal depois que voltou." Manva perguntou quando me recuperei o suficiente do incidente do lago.
 Ainda estava deitado no chão, sentindo calafrios. Respirei fundo e contei a ele.
 "Ela me pediu para decidir se a odiava ou se a desejava. Nós lutamos um pouco. Depois nos beijamos. E tudo ficou muito confuso depois daí. Deve ter tocado em alguma ferida antiga da minha infância. Eu realmente não quero mais falar sobre isso."

 "Ela te deixou assim?"
 "Tecnicamente, sim."

 Vi Manva fechar a expressão como nunca vi antes, havia fúria emanando de seu olhar. Mas eu estava desgastado demais para dizer mais alguma coisa. Simplesmente me virei para o outro lado e adormeci.

 Não sei quando tempo havia passado quando ouvi alguns gritos do lado de fora da cabana, reconheci a voz de Manva, que dizia algo como "foi tudo sua culpa, maldita thoraniana". Grunhi e coloquei a mão sobre a testa, como se fosse impedir minha cabeça de simplesmente explodir. Quando abri a porta da cabana, Manva estava prestes a avançar contra Alioth. Algo dentro de mim se agitou e o puxei pela roupa com força o suficiente para derrubá-lo.

 "Não toque nela.", grunhi.

 Ergui meu olhar e encontrei o de Alioth. Olhá-la era como um soco no estômago. Não podia ficar perto dela, não se ela trouxesse aquilo de volta em mim. Minha cicatriz no braço ainda ardia quando falei para ela não chegar perto de mim. Eu queria socar alguma coisa com força o suficiente até meus punhos sangrarem. Vê-la se afastar de mim com hesitação ao ver meu ódio. Eu queria vomitar diante daquilo, de como seus olhos obscureceram. Aquele único passo que ela recuou para longe de mim abriu um buraco tão profundo em meu âmago que eu não sabia se algum dia seria capaz de me recuperar. Quando ela se afastou para sua tenda, eu entrei na cabana e me sentei no canto mais afastado da sala, apoiando os cotovelos nos joelhos e cobrindo o rosto com as mãos.
 "Ghurab...", Manva começou a falar. Apenas ergui a mão para impedi-lo e ele saiu sem dizer nada.
 Era necessário. Eu precisava fazer aquilo. Nós nunca poderíamos ser nada além de inimigos. Onde eu estava com a cabeça de sequer ter admitido o mais ínfimo conflito de sentimentos que eu tinha por ela?

 Algumas horas se passaram e eu saí da cabana, me juntando aos homens para o almoço, o ultimo pedaço da carne da corça. Comecei a comer, sem sentir o sabor do que estava em minha boca. Fitava o nada, completamente imerso em meus pensamentos, quando ouvi ela se aproximar novamente. O esforço para não erguer o olhar foi monumental, segurei o prato com mais força. E então ela se foi de novo, para caçar. Meu peito parecia estar abrindo no meio.

 "O que está acontecendo com você? Algumas semanas com a princesa mudaram você, Ghurab." Manva murmurou ao meu lado.

 "Eu não sei o que está acontecendo comigo", falei baixo, soando mais sincero do que tinha sido nas ultimas semanas. "Alioth é diferente de tudo que eu já conheci, Manva. E eu já estive em muitos lugares. Não consigo me acostumar com ela, não consigo entendê-la, ao mesmo tempo em que me vejo nela."

 "Se apaixonou por Alioth?"

 "Não", respondi rápido demais, "não me apaixonei. Ela me intriga, é só isso. Eu sei que preciso odiá-la, mas eu não consigo. A curiosidade de entendê-la é muito maior."

 "Sei. O que te impede de passar uma lâmina pela garganta de Alioth é sua curiosidade." Ele usou um tom irritantemente sarcástico.

 "O que me impede de passar uma lâmina pela garganta de Alioth é o fato de eu me ver refletido nela. De uma forma muito estranha e contrária."

 "Como se fossem uma espada."

 Virei a cabeça para ele. "O quê?"

 "São como uma espada, forjados com fogo e gelo. Duas forças opostas usadas para um mesmo fim."

Beldarrien - A Coroa AmaldiçoadaOnde histórias criam vida. Descubra agora