Patrick

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Hoje me senti parcialmente estranho, devia ser algo da minha cabeça, talvez até algo físico, eu sinceramente não sei.

Minto.

Sei muito bem porque estou assim, mas já deixou de ter importância a muito tempo.

Hoje é meu último dia no hospital Santa Virginia, hoje ainda, pego o avião com destino à Londres. O processo de adaptação não será fácil, mas com o tempo isso também deixará de ter importância.

Assim que passo pela recpção, Amanda, a enfermeira chefe diz que Emilia estava querendo falar comigo.
Não acredito que ela quer tentar mudar minha opnião, afinal tivemos uma boa conversa outro dia, acho que deve ser algo como uma festa de despedida surpresa ou algo assim.
Me direciono ao seu escritório e antes de bater na porta consigo escutar sua conversa, ela estava no telefone.

- Graças a Deus seu amigo está bem, meu anjo... Que bom que decidiu ficar mais tempo, vai te fazer bem... Bom, assim, está! Está sim! Tudo uma maravilha... Não estou escondendo nada, meu anjo... Olívia eu sou sua avó me respeite!

Olívia... De repente senti a adrenalina me consumir por apenas escutar seu nome. Em silêncio continuei a escutar.

- Você me conhece bem, se eu... Ok! Muito bem mocinha, você venceu!... É o Patrick... Não, não! Ele está bem, bom fisicamente, pelo menos... Não sei se deveria te contar... Porque ele deveria te contar, não eu... Eu sei, eu sei, mas... Você conhece o rapaz... Acha que eu... É você quem sabe... Também te amo, qualquer coisa é só me ligar.

Respirei fundo e esperei alguns segundos, logo em seguida bati na porta.

- Entre.

E assim o fiz.

- Pensei que já tínhamos conversado tudo o que tínhamos para conversar. - Fui logo dizendo.

Ela se sentou e retirou os óculos.

- Na verdade, Patrick. Nem tudo foi falado.

- Do que está falando?

Ela respirou fundo e retirou um envelope da gaveta.

- Gostaria de sentar?

- Me sentar quer dizer que a conversa não será rápida.- Ela ficou em silêncio. - E sinto também que não é algo bom.

Ela continuou me encarando, por fim acabei me sentando.

- O que é isso? - Perguntei olhando para o envelope.

Novamente ela respirou fundo antes de me responder.

- Há três meses Olívia fez os exames.

Não soube direito como reagir aquilo.

- O que?

Ela me entregou os envelopes.
E não consegui acreditar no que tinha naquele papel.

- Ela me fez prometer que não contaria.

- Por favor, por favor me diga que esses resultados são de outra pessoa.

- Deus sabe o quanto eu gostaria de poder dizer isso, Patrick, mas infelizmente...

- Ainda podemos achar um doador...

- Mesmo que...

- Mesmo que nada, Emília! - Ela se assustou um pouco, acho que eu também.- Ela... Ela sabia disso? Sabia e mesmo assim, mesmo assim não quer lutar?

- Patrick. Os dois rins foram afetados...

- Mas ainda tem solução! Sou médico, sei que tem solução!

- Está sendo antiético.

- Estou cansado de sempre me empurrar essa desculpa!

-  Sabe que é muito mais que uma simples cirurgia para resolver tudo.

- Acha uma cirurgia de transplante de órgãos algo simples? - Ri com deboche. - Emilia, me diga que ela não desistiu. Não pode ter desistido ainda!

- Ela não desistiu.- Por um mísero segundo uma esperança me invadiu.- Ela nunca tentou, Patrick. Nunca tentou para poder desistir.

Eu apenas me levantei.

- Patrick! O que está fazendo?

Eu a encarei confuso.

- Estou indo embora.

Ela se levantou também, estava nervosa.

- Não pode! Principalmente agora que sabe...

- Pensei que já tínhamos conversado sobre isso. Além de que... Agora sou eu quem está desistindo.

- Patrick, não pode fazer isso. Ela não tem mais ninguém.

- Ah é mesmo? Bom... Não sabia disso Emília!- Gritei com deboche.

- Patrick...

- Já chega! Estou cansado! Olivia nunca ligou pra mim, não de verdade! Ela faz o que quer e não liga que isso possa afetar outras pessoas! Ela quer se matar? Que faça isso sozinha.

Eu estava praticamente fora da sala de Emília quando a escutei.

- Não diga isso. Não diga isso. Não você!

Por um segundo fiquei paralisado.

- Olivia pode nunca ter demonstrado do jeito que você queria, mas Deus sabe o quanto ela te amou e o quanto ainda ama. Então não me venha...

- Ela está com quem escolheu estar e visto que estou aqui com você...

Encarei seus olhos, Emilia estava chorando. Tentei não deixar que ela percebesse o quanto eu também queria chorar, mais que isso, eu queria gritar, queria gritar com ela, com Olívia, com o mundo, no entanto "desliguei" qualquer tipo de emoção.
Me virei e estava decidido a sair e não olhar para trás.

- Algumas pessoas dizem que nunca é um adeus.

Pude escutar minha velha amiga dizer aquilo com pesar, todavia como prometido não olhei pra trás.

- Sempre acreditei no que as pessoas diziam.- Eu não podia chorar agora.- Mas então Olívia disse que casaria comigo, disse também que me amava, disse que o mundo foi feito só pra nós dois.- Dei uma risada, não sei se foi de deboche ou de tristeza.- Ela costuma dizer que dividíamos o mundo com os outros, porque era maldade ficarmos com ele só pra gente... Uma fez fomos naquela ponte... Aquela com um monte de cadeados, para gravar na eternidade nosso amor...Mas então ela disse: "Não"...Não quando eu pedi, mas quando estava segurando minhas mãos perante ao padre, você e cada um que conhecíamos.- Acho que já estava chorando, mas continuei.- Ela disse "Não" e saiu do altar como se isso fosse... Nada.

Eu pude escutar que Emília chorava também, mais do que antes.

- É por isso que não se deve acreditar no que as pessoas dizem.

E sai.
Eu sai daquela sala.
Só que foi muito mais que isso.
Eu não sai só de um lugar, eu estava saindo da vida de alguém.
E por incrível que pareça me senti bem.

Ao entrar no meu carro dei uma risada boba, não acredito que toda aquela carga emocional tinha ido embora.

Percebi que meu celular apitava uma mensagem de voz não visualizada.

Era da Olívia.
Só pra arruinar o meu momento.
E eu idiota coloquei para escutar.

" Oi Pat, nossa,  acabei de perceber que nunca te chamei assim, enfim... Eu estou ligando... Estou ligando pra saber como você... Se você... Se..."

Silêncio.

- Não consegue nem ao menos fingir que se importa,hein! - Gritei para o telefone.

" Olha tenho que ir agora... Mas qualquer coisa..."

- O que? Me diz! Me diz! - Dei uma risada. - Qualquer coisa não me liga Olívia, nunca, nunca mais!

Nem terminei de ouvir a mensagem, deletei o contato de Olívia, assim como a estava deletando da minha vida.

Quando a Hora ChegarOnde histórias criam vida. Descubra agora