Estávamos na cafeteria do hospital, aparentemente ela estava mais calma, porém por um momento nenhum de nós se manifestou, até a entendo, por anos ela achou que tinha sido abandonada pelo amor da sua vida e agora ele volta e as coisas se complicam, fora o fato da neta estar doente, uma carga emocional assim tão pesada pode trincar o mais forte dos corações.
Nos encaramos por mais alguns segundos, até que a vó de Olívia quebrou o silêncio.
- Peço desculpas por todos os transtornos que causei a você, rapaz.
Eu abri um pequeno sorriso, ninguém nunca havia me pedido desculpas, assim de um jeito tão educado.
- Sinto que... que também te devo desculpas.
- Não, não deve.
- Mas eu fui grosso com você.
- E eu te dei um tapa na cara, acho que estamos quites.
Nos dois sorrimos.
O clima de silêncio iria voltar, e é claro que eu tive que me intrometer.
- Sei que não é da minha conta, mas acho que devia ao menos dar uma chance a ele.
- Fala do Connor?
Assenti.
- Posso estar enganado, geralmente estou mesmo, mas todos temos uma história para contar, alguns tem uma feliz e cheias de unicórnios caminhando em um arco-íris. - Ela riu.- Só que, outros... simplesmente não tem a mesma sorte.
Ela parou um momento para me analisar, logo depois sorriu.
- Agora entendo o que Olívia viu em você.
Fiquei um pouco surpreso ao escutar aquilo e acho que fiquei um pouco vermelho também.
- Eu não sabia... não sabia das coisas pelas quais ela tinha passado.
- Olívia sempre foi assim, fechada, principalmente depois que meu filho foi pra Itália, mas percebi que com você e aquele outro rapaz, Carlo, certo?- Confirmei com a cabeça.- Com vocês ela se sente mais leve e ouso dizer...feliz, mas tenho certeza que a razão central é o "doido do karaokê". - Disse por fim sorrindo e tomando um gole em seu chá.
- Nunca me senti do jeito que me sinto quando ela está perto de mim. É quase como se o mundo não fizesse sentido, simplesmente porque sem ela, não faz - Eu disse em voz alta, porém queria dizer aquilo apenas para mim.
- Quem o escuta diria que a ama.
Mais uma vez me vi surpreendido, já tinha suspeitas de que talvez estivesse apaixonado e também já suspeitei de que pudesse ser amor, mas ouvir outra pessoa dizer isso me faz perceber o quão forte é essa palavra.
- Você pode achar loucura, mas... sim, sim eu a amo.
- Loucura? Isso define o amor, com toda certeza define.- Ela sorriu mais uma vez até ficar meio triste.
Eu também acabei dando um sorriso triste.
- Você acredita em Deus?
Agora quem havia se surpreendido era ela.
- Por que pergunta?
- Acha que isso faz parte do plano de dele?
Ela respirou fundo antes de responder.
- As pessoas dizem que sim, e eu já cheguei a acreditar nisso também, Jason, mas agora, agora não paro de questionar, sabe? Por que seria da vontade de Deus levar a mãe daquela menininha, ou o irmãozinho que acabara de nascer, ou então não muito tempo depois levar o avô dela, e então descobrir que tem a mesma coisa que fez a mãe partir, não podemos esquecer a futura filhinha que ela mesma teve que decidir se iria vingar ou não Por que seria toda essa tristeza e sofrimento, um plano de Deus? Perguntas, perguntas que faço todos os dias pra Deus, Jason, porém, infelizmente, não ganho uma resposta.
Eu não sabia como reagir a toda essa informação, pensei em algo que talvez minha mãe diria nessas horas.
- "Senhor, por que estás tão longe?
Por que te escondes em tempos de angústia?". - Salmos 10:1.- Não sabia que era religioso.
- Não sou, mas também já questionei Deus mais vezes do que consigo contar.
- É mesmo? E por quê?
- Porque também nunca consegui uma resposta dele.- Ela me olhava confusa, mas ainda prestava atenção. - Quando eu tinha 8 anos, perdi meu irmão mais velho.
- Sinto muito.
- Eu também.
Enxuguei uma lágrima que estava escorrendo no lado direito do meu rosto, as lembranças estavam voltando, assim como a dor.
- Se não quiser não precisa continuar.- Disse ela colocando sua mão sobre a minha.
- Não, não se preocupe, está tudo bem. Eu nunca falo sobre ele, e acho que seria bom, desabafar um pouco.- Respirei fundo, falar tudo que estava aqui dentro não era uma coisa fácil.- Não me lembro de muita coisa, mas nunca vou esquecer os olhos dele, eram azuis esverdeados, se é que isso é uma cor.- Eu ri debochando de mim mesmo.-Nunca fui uma criança que gostava de brincar na rua, mas aquele dia, aquele dia algo me chamou para fora, foi tudo tão rápido... me lembro do caminhão vindo na minha direção, eu o vi vindo, no entanto, não conseguia me mexer. Não tinha visto meu irmão correr até mim, quando o percebi, o mesmo tinha me empurrado para fora da pista. E o caminhão que era para ter me matado, matou o meu irmão.
Ela ficou sentida, pude ver seus olhos lacrimejarem.
- Eu sinto muito, Jason.
Eu sorri triste pra ela.
- Certo dia, acordei de madrugada, meus pais estavam discutindo, começaram a discutir muito depois da morte do meu irmão, eu... eu sabia que ele estava triste, o meu pai, só que na minha cabeça ele tinha ficado triste porque eu não tinha morrido...
- Jason, tenho certeza de que isso não é verdade.
- É eu sei, mas naquela madrugada eu escutei minha mãe dizer que uma mulher da igreja dela tinha falado que meu irmão tinha morrido, pois era um castigo de Deus, por causa da vida que o mesmo levava, meu pai estava bêbado nesse dia, e em um momento de raiva ele... ele disse... disse que Deus o havia tirado o filho errado, que não era um castigo divino direcionado para o meu irmão, mas para ele.
Engoli o choro que estava querendo transbordar de mim.
- Imagino o quão difícil deve ter sido pra você, uma criança, escutar o pai dizer isso, deve ter partido seu coração.
- Realmente, aquilo me fez vê-lo com outros olhos.
Ficamos em silêncio mais uma vez.
- Se importa se eu perguntar qual era o nome dele?
Sorri novamente, agora enxugando as lágrimas.
- Ben, o nome dele era Ben.
- Sei que Ben, em qualquer lugar que esteja agora, está orgulhoso do homem que seu irmãozinho se tornou.
- Sabe, quando eu tinha 10 anos, comecei a questionar a razão de seu "sacrifício", afinal, Ben tinha aparecido do nada para me salvar, minha mãe dizia que todos nascemos com um propósito e que o dele era esse, salvar o irmãozinho da morte, todavia me pergunto: se esse era o propósito dele, qual é o meu?
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Quando a Hora Chegar
Teen FictionAs vezes precisamos aceitar o destino, mesmo que doa, mesmo que te mate. Olívia Jones nunca gostou muito de conversar ou qualquer tipo de interação,era certinha, tímida e um pouco fria. Nascera em Virgínia e aceitava a vida que levava até que Jason...