Capítulo 1 ELA conhecerá ELE (part.3)

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Murilo vem me cumprimentar, mas minha cara é de espanto, os olhos arregalados.

- Prazer, Murilo – diz me cumprimentando e dando dois beijinhos.

Demoro a responder de volta e meus beijos de cumprimentos são lentos, mal-educados, sem prestar atenção, tamanha é minha perplexidade.

- Prazer, Amanda.

- Está tudo bem, Amanda? – percebe a atenta amiga de infância, sem, contudo obter uma resposta minha. Fico observando qual seria a reação do doido, que agora eu sabia o nome – Marcelo - quando me visse. Sem dúvida nenhuma, ele se afundará no mar vermelho da vergonha. Contudo, tamanha é a minha surpresa quando o olhar dele cruza com o meu sem nenhuma hesitação. Marcelo vem em minha direção, coloca a mão direita no meu ombro e me cumprimenta. "Prazer, me chamo Marcelo, você deve ser a Amanda, certo?" Nenhuma mudança na fisionomia, nenhum espanto, nenhuma mínima reação! Que cara de pau! Obviamente, choco-me com a situação e, como se tivesse entrado num jogo, apenas respondo, "Sim, prazer, Amanda" e dou os dois beijinhos tradicionais cariocas.

Eles se sentam confortavelmente nas cadeiras e encaro Marcelo. É difícil descrever o tom do meu olhar, são muitos sentimentos para expressar com ele: espanto, indignação, raiva, curiosidade, que-diabos-está-acontecendo-aqui? Eu olho para ele, mas não obtenho o retorno do olhar, como se estivesse numa situação completamente trivial. Marcelo realmente atua para que todos na mesa pensem que está me conhecendo pela primeira vez. Os três começam a falar, simpaticamente, mas não presto atenção, fixada na situação embaraçosa que esse tal de Marcelo havia criado pra mim. Então, Bianca me interpela, me retirando dos devaneios internos, Murilo estava falando comigo:

- Desculpe-me, o que foi?

- O Murilo está perguntando o que você faz da vida.

Antes que eu responsa, o garçom finalmente traz o Kir Royal. Como um caubói do velho oeste, viro a taça em um gole só, sem tirar os olhos de Marcelo que finalmente nota meu olhar penetrante. Bianca não deixa escapar a minha estranha reação:

- Amiga, está tudo bem com você?

- Tudo ótimo, Bí. Tudo ótimo – respondo sem olhar pra ela.

- Você está estranha. Isso é um drinque, não uma tequila. Não aconteceu nada mesmo?

- Marcelo, por acaso você tem um irmão gêmeo? – ignoro a pergunta de Bianca, e encorajada parto em busca da verdade.

Marcelo se desencosta da cadeira, bem incomodado, não entendendo o porquê daquela pergunta:

- Não, Amanda, não, por quê?

- Por nada.

- Ei, Amanda, explica, por que dessa pergunta? – Bianca questiona.

- Não, nada. Eu devo tê-lo confundido com um conhecido meu. Desculpe-me – minha frase pedindo desculpas não soa nem um pouco sincera. Há pimenta nas minhas palavras, para que entrassem ardendo no ouvido dele. Contudo, no momento em que me ajeito na cadeira e peço outro Kir Royal para o garçom que percebo algo estranho: seu visual é definitivamente diferente. Ele veste outra camisa, uma T-Shirt preta com a gravura do grito da mocinha assassinada do filme Psicose no centro, não usa mais o relógio. A calça é marrom, a anterior era um jeans claro. Tento procurar por mais detalhes e logo vejo que diferentemente do "homem que veio do futuro" ele está com o cabelo molhado, como se tivesse acabado de sair do banho. Ele se trocou! De que maneira? Como pôde ser tão rápido, ir a casa, tomar banho e se trocar? Estou ficando louca? Claro que não! Com certeza é alguma piadinha deles. Foi a Bianca, com certeza foi ela. Ela armou isso tudo pra me sacanear e ficar rindo da minha cara! Essa bandida! Vai ter volta. Decidi que entraria no jogo deles:

- Bom, Murilo, sou jornalista, trabalho no "Na Rede".

- Sério? - diz, Marcelo, intrometendo-se na conversa – Que legal! Adoro futebol, pra que time você torce?

- Sou vascaína fanática e você?

- Torço pro América. Acredita?

- Você deve sofrer.

- Sofro sim, sabe como é né, paixão passada de pai para filho, esse sentimento louco por um time de futebol.

- Realmente louco, muito louco – digo com meu alfinete, que estava apenas afiando.

- Mas não me arrependo nem um pouco em ser América. Amor é assim, não tem explicação, nem barreiras.

- Pois é, nem do tempo – espeto novamente. Espero alguma reação dele com o trocadilho, mas nada acontece. Parece não perceber que havia sido alfinetado.

- Mas, me diga – continuo – o que você faz da vida, Marcelo, além de ator? – jogo pesado. Ele não haveria como se manter firme depois dessa.

- Não entendi – responde com uma cara que coadunava exatamente com sua frase. Estranha a pergunta, se vira para Bianca e Murilo que também estão se entreolhando confusos.

- Ator? Foi isso que você disse? Não entendi – repete.

- Sim, ator, você não é ator?

- Bom, Amanda, vou levar isso como um elogio. Não me acho bonito nem com talento para ser ator. Na verdade, sou advogado.

- Bom, deve ser daí que você extraiu o dom da enrolação e enganação – completo, dessa vez perdendo toda a compostura. Os três se olham atônitos e Bianca, com raiva, fazendo caras e bocas, em um pulo só, levanta da cadeira e me chama, como uma mãe impaciente com o filho pequeno:

- Vamos ao banheiro comigo, Amanda!

Ainda encarando Marcelo, levanto sem falar nada, acompanho Bianca ao banheiro e já quando me distancio, com os ouvidos acesos, escuto:

- O que houve com ela? O que está rolando? – indaga Murilo para Marcelo.

No meio do caminho Bianca me pega pelo braço e assim atravessamos a porta do banheiro. Bianca começa a despejar sua fúria:

- O que você está fazendo? Está querendo estragar tudo? Logo agora que encontrei alguém legal, você faz questão de criar esse clima? É inveja, é? O que você tem contra o Marcelo? Bombardeou o coitado!

- Não se faça você de tonta, Bianca! Essa brincadeira não tem graça nenhuma.

- O que você está dizendo? Você está louca? – responde raivosa minha amiga, ou agora ex-amiga.

- É sério que você vai continuar sustentando essa mentira?

- Que mentira? Do que você está falando?

- Ele, o Marcelo, ele é o tal "Homem do futuro" – digo imitando o sinal de aspas - que veio falar comigo antes de você chegar. E agora, finge que não me conhece. Sério, na boa, que brincadeira idiota – as minhas palavras extraem a raiva dos olhos da Bianca. O motivo do meu comportamento inadequado na mesa vem à superfície. O que, também, não deixa de ser estranho, uma vez que se ela agora entende, consequentemente, não estava envolvida. Os meninos aprontaram tudo sozinhos? Será? Meu deus do céu, minha amiga só se envolve em roubada.

- Não é possível. Você deve estar se confundindo. O Marcelo veio com o Murilo, estávamos os três nos arrumando na casa dele. Não faz sentido o que você está falando, amiga.

O Homem do Futuro do PresenteOnde histórias criam vida. Descubra agora