Capítulo 3 Ela se apaixonará por Ele (part 2.)

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Chego em casa à noite, tomo um banho, vou para o meu quarto e para tirar da cabeça esses pensamentos loucos de viagem no tempo, resolvo deitar e continuar a ler o "O Quarto" de Emma Donoghue, que estou adorando e havia virado filme, e concorrido ao Oscar. É a história de Jake que acaba de completar seis anos. Nasceu num cativeiro, e ali vive junto com sua mãe, local que chama de "quarto" e, portanto, o único lugar do mundo que conhece. Para ele não existe o "lá fora", nem mais ninguém além de sua mãe e do velho Nick, o psicopata que os mantém presos. A história parece ser sombria e triste à primeira vista, mas é a narrativa, com a visão tenra, amável, inocente do Jack que faz o livro ser exatamente o oposto: uma experiência linda, transformadora e apaixonante. Resta impossível não se derreter de amores por esse garotinho. Eu já estou chegando às últimas páginas e entristecendo, porque me despedirei dele. O amor recíproco do Jack e de sua mãe faz meu instinto maternal vibrar. Será que meu relógio biológico já está apitando preocupado? Não que eu tenha relacionado o Marcelo ou "Marcelos" com esse pensamento, até tinha deixado minha lucubrações sobre ele e a história louca se distanciarem, mas me pergunto se não está na hora de construir um relacionamento sólido que me permitisse sentir o maior amor do mundo, o de ser mãe daqui uns, quem sabe, quatro anos. É, não seria com um viajante do tempo que aconteceria. Com a cabeça nesses pensamentos complexos, deito com a cabeça no travesseiro e acabo dormindo muito cedo.

Quando acordo, olho o celular para saber as horas. Havia levantado antes que meu despertador que foi marcado para as 07h00min. Que velha. "Deve estar na hora de ser mãe mesmo" – brinco com meu inconsciente. Levanto, tomo café da manhã sozinha (minha mãe ainda dorme), coloco minha roupa de malhar, um topzinho e um short de lycra, e sou a segunda a chegar ao funcional na lagoa. 

O primeiro havia sido Marcelo. 

Lá está ele, aquecendo com o professor.

- Temos um novo aluno hoje, Amanda. Ele disse que você que indicou o treino – diz o professor com um sorriso no rosto, apontando para Marcelo.

- Bom dia, Amanda.

Eu respondo o cumprimento e me aproximo dele, pego em seu antebraço e, ao seu ouvido, faço a pergunta que já está virando rotina:

- Com qual dos Marcelos estou falando?

- Sou o seu namorado do futuro, Amanda. O Marcelo do Presente não seria ainda capaz de tamanha parceria, como te acompanhar no treino. Enquanto ele não toma o seu tempo todo, quero ficar o mais próximo possível de você.

- A sua imaginação é incrível. De onde você tira essas coisas? – falo depois de rir.

Ele apenas me olha e me dá um beijo na lateral da cabeça, como se eu fosse uma bobinha que não compreendesse a verdade, e me faz um carinho na nuca. O professor sente que há algo entre nós, mas nada fala. O restante do grupo começa a chegar e logo se inicia o aquecimento. Marcelo faz questão de estar sempre ao meu lado, trocando olhares, pequenos risos. Sem camisa, vejo seu corpo bonito, não forte, mas em forma, o abdômen levemente marcado. Não há como negar que me atrai. No meio dos exercícios, Marcelo me incentiva, dá palavras de apoio, parece mesmo que se importa comigo, quer o meu bem e me conhece realmente há muito tempo.

Ao final do treino, esperamos o pessoal se dispersar e caminhamos até um vendedor de coco, compramos dois. Sentamos num banco de cimento, lado a lado. Marcelo chupa a água do coco, contempla a lagoa e solta:

- É tão bom estar ao seu lado de novo. Sinto-me vivo novamente.

- Para com isso, Marcelo.

- Você não tem ideia do quanto eu sofri longe de você.

- E você não vai dizer mesmo o que nos separa? – insisto no assunto.

Ele fica em silêncio, coloca a mão no meu ombro e reclina a cabeça para encostar com a minha. Marcelo dá uma leve fungada, o que me faz descolar e encará-lo. Ele deixa escorrer uma lágrima, tenta esconder, passa rapidamente a mão vira a cara para o lado oposto ao meu. Não acredito que ele está performando uma cena de choro para me enganar. É tão real a sua dor, incrível. Eu lhe faço um afago, e nesse momento, me sinto mergulhada na loucura. Estou a consolar um viajante do tempo por ter me perdido no futuro! A situação é completamente absurda! Paro o afago. Meu racional pede para que eu não prossiga por esse caminho. Não haveria como terminar bem. Onde está aquela mulher pragmática, coesa, concentrada? Eu não posso me deixar afundar em um relacionamento perigoso, com um risco imenso de me machucar, de ser manipulada.

- Desculpe-me – diz ao sentir que tinha me assustado.

Nada respondo. É muita realidade para uma manhã só. O absurdo havia se tornado real. Marcelo chorou por mim! A história ganha contornos que não sei como controlar, me sinto insegura, não sei onde piso, não sei em que acreditar. Realmente começo a cogitar a existência do fantástico e isso me dá calafrios.

- Eu tenho que ir, Marcelo. Está na hora de me arrumar para o trabalho.

- Eu sei. Tudo bem. Adorei nossa manhã juntos.

Eu também havia adorado, mas eu não consigo devolver as palavras.

- Posso continuar te vendo?

Penso em responder que não sei, que talvez fosse melhor pararmos com isso, mas o coração fura a fila da razão, dando-lhe uma rasteira.

- Pode sim – digo em tom baixo.

Marcelo do Futuro levanta do banco, pega na minha mão, olha fundo nos meus olhos e me dá um beijo apaixonado, e nos abraçamos fortes ao final.

- Bom trabalho, meu amor.

Eu sequer agradeço, e saio andando atordoada mais uma vez, no meu caminho de casa. Os habitantes da minha cidade são obrigados a fugir, pois o vulcão da minha cabeça havia entrado em plena atividade, pronto para uma erupção.

O Homem do Futuro do PresenteOnde histórias criam vida. Descubra agora