É mais um sexta-feira comum de trabalho, as pessoas felizes pela chegada do final de semana, mas, ao mesmo tempo, ansiosas para que o expediente acabe. Na sexta-feira o almoço é sempre menos light. Mais picanha, menos salada e sempre se estende além da uma hora protocolar. O pessoal da minha equipe toda decide ir junto, não pude ser antissocial, mas, mesmo que eu tentasse disfarçar, era fácil notar que eu estava distante. Não fico um minuto a mais do que devia na redação, não porque estivesse cansada ou apreensiva pela festa, na verdade, até estava desanimada (caberia a Amanda despertar minha vontade), mas, sim, porque queria poder colocar minhas ideias na estante certa. Desejo deitar comigo mesma, no silêncio e escuro do meu quarto, antes do cochilo, analisar meus sentimentos e traçar um caminho que seja o maior racional e que me traga menos angústia. O trânsito de sexta-feira usual do Rio de Janeiro atrasa meus planos, mas quando tiro as roupas de trabalho, penduro-as na cadeira e finalmente deito na cama, mergulho no momento de reflexão: uma piscina funda que preciso atravessar, sem mais me segurar em boias. Eu sou obrigada a dar braçadas até o outro lado. Aqui estou eu, nua, sozinha na água, me sustentando na vertical com o esforço das pernas até tomar fôlego e coragem para começar a nadar. Estico o braço e tateio a escrivaninha colada a minha cama até encontrar o celular e o respectivo fone de ouvido. Coloquei "Quando fui chuva" da Maria Gadú e as primeiras gotas caem na minha piscina que ameaça transbordar em breve. É necessário deitar na água e começar. Eu devo entender o que significa o meu sentimento pelo Marcelo, qual é o nome do que está dentro de mim. Ou não. Na verdade, remoer mais uma vez o que aconteceu não seja o correto. Talvez meu exercício seja exatamente para encontrar o caminho para não mais pensar e deixar de me preocupar. Apenas entender que foi bom, o clichê infinito do eterno enquanto durou e que não voltará mais. Vida pra frente, novos amores logo ali na outra margem.
Talvez existam pessoas que não foram feitas para permanecerem juntas, talvez nosso encontro devesse ser apenas uma deliciosa ocasião, não digo destino, não acredito que estivesse escrito, devesse no sentindo de "só haveria assim". Marcelo e Amanda deveria ser apenas uma história intensa, de pele, fervente, intrigante, engraçada, maluca, grande... Não menor que um romance para a vida inteira, grande, enorme, gigante, mas curto, uma fagulha, obviamente casual. Problemas com paradoxos? A vida está cheia de exemplos contraditórios como esse: amores pequenos, mas eternos; amores infinitos, sequer realizados; amores impossíveis, mas vividos. Meu romance com o Marcelo foi assim, mais uma hipótese curiosa, uma ficção científica épica, mas incrivelmente verídica. Um homem do futuro que não se fez presente e que ficou no passado. Marcelo se conjugava a partir de agora somente no pretérito. E, o telefone tocou: era (no pretérito, sim, imperfeito, mais ainda sim pretérito) ele. Na minha cabeça, quando o toque iniciou, só podia ser uma pessoa: Amanda, querendo combinar nossa ida à festa. Mas, no momento em que meus olhos bateram na tela e a palavra Marcelo apareceu, fui para o fundo da piscina, meu coração encostava agitado nos azulejos. Hesito, devo atender? Eu ridicularizo no segundo seguinte a hesitação, é óbvio que não resistirei, eu preciso saber o que ele tem para falar, não aguentaria de curiosidade e remorso depois, então deslizo o dedo na tela do celular:
— Amanda? - uns dois segundos de silêncio - É o Marcelo! Tudo bom?
— Oi.
— Tudo bom com você?
— Tudo e por aí?
— Mais ou menos...
Ele ara o terreno para plantar a mentira. O que ele inventará?
— O que houve?
— Uns problemas de família aí... meio pesado. Até queria te pedir desculpas por ter sumido.
— Hum...
— Você tá bolada?
— Não, não, tranquilo.
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O Homem do Futuro do Presente
أدب نسائيUm homem desconhecido surge repentinamente e afirma que voltou no tempo para reencontrar Amanda exatamente no dia em que se conhecem. No futuro, eles foram namorados, mas algo irá separá-los. Ao mesmo tempo em que se envolve com Marcelo do Futuro...