"Existem duas tragédias na vida. Uma é não conquistar o que seu coração deseja. A outra é conquistar." A catarse é a minha busca, o público em forma de Amanda.
Tudo foi esquematizado de forma perfeita e impecável. Como na peça de teatro, ensaiamos cada passo, mas é inevitável a ansiedade. O nervosismo caminha companheiro da excitação. Como não se preocupar com a reação da Amanda ao meu texto, cuja sustentação é uma piada, uma viagem no tempo? Não me é permitido errar o tom. O objetivo é vestir a mentira com serenidade, embrulhar-me em fantasia, como um estelionatário astuto, vender o sonho, atiçar a ambição, não de dinheiro, mas da fortuna do amor verdadeiro e poético, pois irreal, para que ela, de própria vontade, ávida se desnude de seu senso crítico e embarque deslumbrada como vítima em meu golpe.
No estratagema desenhado, Bianca, sem dúvidas, é um dos pontos fracos. A relutância da qual se serviu para me fazer desistir da ideia foi apelativa. Após lágrimas, negativas, abandonos inegociáveis, Bianca se rendeu e se tornou cúmplice. Não há como se manter resistente à minha insistência, ao meu carisma. A minha capacidade de convencer uma pessoa a trair a própria amiga é o que me dá a confiança necessária para a encenação. Ao mesmo tempo em que a reconheço como o calcanhar de Aquiles, utilizo-a como a chave do enigma, a ignição para o mundo da fantasia. Amanda acreditará que vim do futuro, mas sequer imaginará que sua amiga está lhe traindo de uma maneira tão baixa e vil. O otimismo de Amanda é minha escada. Uma vez que Bianca jamais compactaria com a cena absurda, resta a lacuna do imponderável a ser preenchida.
No meio dos meus devaneios, sentado sozinho em meu carro, recebo a mensagem por celular que aguardava de Bianca dizendo que já noticiou Amanda sobre o meu atraso. O peão andou a primeira casa. Arte vs. Realidade. Havia começado. A atuação tem que ser cirúrgica, a chance de êxito é uma em mil. Em meu âmago, contudo, tenho a certeza que ao final da noite estarei beijando a boca da Amanda, a pobre enganada, coitada.
Ela possui um semblante esperto, confiante, sinto como se fosse aplicar o golpe do bilhete premiado falso da loteria no próprio estelionatário. Inegavelmente é bonita, mas, nas fotos me impressionava mais. A realidade é feita de imperfeições, por isso que ofereço mentira.
O garçom entrega o cardápio e o público está ansioso. As cortinas se abrem, saio do carro e Marcelo entra em cena, direto do futuro. A caminhada é sem hesitação e certeira até a mesa dela. Sento sorrateiramente na cadeira e a presa não percebe a minha presença, o cardápio é alto, largo, de drinks (ótimo, vai beber) e só quando Amanda o abaixa, é que, finalmente, nos olhamos pela primeira vez:
— Olá, Amanda.
A intimidade do cumprimento que saiu da minha boca, acompanhado do olhar confidente, me faz ter certeza que aportava do futuro, naquele exato momento, direto e brega no coração daquela mulher. Após me analisar por meio segundo, tempo suficiente para gostar do que viu, Amanda me questiona, de forma educada:
— Desculpe-me, eu te conheço?
— Não, não me conhece. Em breve você irá, mas não, ainda não me conhece — respondo respeitando inteiramente o roteiro. Ela, intrigada, emenda:
— Mas você sabe quem sou? Como sabe meu nome?
Jogo mais dados seus íntimos que uma pessoa que não a conhece a fundo jamais poderia saber. Peço calma à pobre menina. Ela não sabe onde está se metendo. Seu medo é de que eu seja algum obsessivo de redes sociais que estaria perseguindo-a. Talvez eu seja mesmo um louco, não por ela, mas pela arte. O sentimento de iniciar o projeto faz irradiar felicidade em mim, estou arrepiado.
— Eu não sou nenhum tipo de maluco. Mas é muito complexa a história de como eu te conheço. Você não vai acreditar de primeira, sem dúvida.
— Pois estou curiosa, me conte, de onde nos conhecemos? — Havia sido pronunciada, portanto, a tão esperada frase, o ápice do primeiro ato. O treinamento da frase diante do espelho foi exaustivo, até encontrar o tom e a movimentação facial precisa. Ela sai perfeita, verdadeira, a mágica acontece:
— Nós somos namorados.
Por diversas vezes eu me imaginei rindo do ridículo dessa cena. Mas agora, não havia nada de engraçado. Eu sou o namorado dela. Meu personagem a ama, eu a amo, nós somos um casal que finalmente se reencontrou.
Não há como o corpo não reagir a uma resposta como essa. Ela se ajeita na cadeira, sorri com certo deboche e coloca o cabelo atrás da orelha. Não podia esperar por uma resposta expelida de um filme de ficção científica. Ninguém esperaria.
— Isso é algum tipo de piada? Por que se for eu não estou achando nenhuma graça.
— Eu falei que seria difícil de entender no começo — respondo calmo, no controle da situação, todo o nervosismo já passou e agora eu apenas navego a arte da felicidade de interpretar, de viver outra pessoa, sublime.
— Bom, sinto muito lhe informar que não, não sou sua namorada. Eu estou esperando uma amiga e ela está chegando em cinco minutos, então, por favor, se puder me dar licença, essa brincadeira não teve muita graça — ela responde tentando me desarmar. A frase é um teste na tentativa de extrair a minha insegurança e apagar a linda redoma de fantasia que eu havia estabelecido entre nós dois. A sua defesa, entretanto, não funciona. Eu estou preparado, eu vim do futuro só pra esse momento. O contragolpe é cruel, a robustez da serenidade que só a certeza produz:
— Nós namoramos por um ano.
— Há um ano eu estava de férias com minha mãe pela Europa — vejo que ela não me trata com indiferença
— Bom, o uso do tempo verbal nessa nossa situação é uma questão um pouco difícil. Talvez eu devesse dizer que você será minha namorada muito em breve – enquanto ela novamente responde apelando para a alegação de minha insanidade.
— Saudade de você desse jeito, tão linda quando fica bravinha — nesse momento sinto um misto de interpretação e verdade, ela realmente fica uma gracinha irritada, me chamando de louco. Mas a coisa precisa evoluir, não é tempo de contemplação.
— Eu sou do futuro, Amanda — emendo sóbrio, em absoluta bonança.
Ela dá uma risada zombadora, descaída, quase em repulsa, mas, no fundo, para um bom leitor de mulheres como eu, se revelava um mecanismo de defesa. Ela não sabia o que fazer. A minha tranquilidade passava desespero a essa donzela indefesa.
— Sério, se isso foi uma cantada, acho que foi a pior, a pior disparada que eu já escutei na minha vida.
— Não é uma cantada, é a mais pura verdade – meu movimento facial enganaria até um detector de mentiras.
— Namorado? Namorado do futuro? Que tipo de louco é você? Aqueles nerds que de tão nerds confundem ficção com realidade, se vestem de personagem para ir à pré-estreia no cinema? .
— Tipo o Sheldon do Big BangTheory, série que, aliás, você adora e não perde um episódio? — essa resposta colhida dos dias árduos de estudo sobre a vida, os gostos, o jeito de ser de Amanda, que sua melhor amiga havia me documentado, em um longo dossiê, era mais uma das armas de confronto que eu fazia uso. Um berçário de pulgas em sua orelha. Ela sente o golpe, mas finge que não.
— Pois é, talvez você seja mais doido que ele. Enfim, como eu disse, minha amiga está chegando e eu não queria ter que pedir de novo para que você se retire. Quero ficar sozinha, por favor.
— Hoje é um dia muito especial. Hoje é o dia que nos conhecemos e que damos nosso primeiro beijo. Eu precisava retornar até aqui — sim, eu precisava voltar, esse é o nosso momento, meu amor. Meu personagem vive isso, eu vivo isso. A amálgama entre criador e criatura fazem meus olhos lacrimejarem. Como eu precisava voltar no tempo e te rever, Amanda! Hoje é o dia do nosso primeiro beijo, eu já posso sentir no ar.
— Eu vou ter que chamar o garçom para te retirar daqui? — responde, contra-atacando. Amanda precisa revidar de alguma forma, precisa mostra força para seu namorado do futuro.
— Não, não precisa. Eu já estou levantando — a guardo calmamente ela levantar o cardápio e me ergo em silêncio absoluto, como o Batman, desfaço-me de sua presença.
As cortinas pelo fim do primeiro ato se fecharam. Era apenas o começo, mas eu já queria palmas.
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O Homem do Futuro do Presente
ChickLitUm homem desconhecido surge repentinamente e afirma que voltou no tempo para reencontrar Amanda exatamente no dia em que se conhecem. No futuro, eles foram namorados, mas algo irá separá-los. Ao mesmo tempo em que se envolve com Marcelo do Futuro...