Depois de uma noite agarrados na concha, acordo antes de Marcelo e levanto da cama, para evitar que ele se engraçasse, investisse em mim e acabássemos nos atrasando para aproveitar o dia de sol, e, principalmente, a maré baixa que permite a formação das piscinas naturais. Coloco o biquíni, passo o protetor solar (adoro o cheiro do creme, me traz memórias de verão, de infância, de férias) e o preguiçoso ainda rola na cama.
Ele já é de casa, então não está tão empolgado para revisitar as atrações turísticas, mas após uns dois pedidos meus ele acaba vencendo o sono e se arrumando também. Descemos para o primeiro andar e Marcelo prepara um café da manhã caprichado, com pão fresquinho cheiroso trazido pelo caseiro, queijo minas derretido, peito de peru, e uma limonada tirada do pé do quintal. A casa resta a um quarteirão de distância da praia onde ficam as piscinas naturais. Assim que chegamos, colocamos nossos sapatinhos aquáticos para proteger os pés dos ouriços e entramos na água, com os braços para cima a fim de protegermos os celulares, seguindo o caminho delimitado para a proteção ambiental. Subimos nos corais e ficamos admirando as piscinas de águas cristalinas, com centenas de peixes coloridos, absolutamente lindas. Marcelo vira meu fotógrafo particular, diversas poses, celular de lado, celular em pé, selfie nossa de casal, aquele jeito típico de turista.
Após o tour pelas piscinas, voltamos para a areia, escolho a melhor foto e posto no instagram. Marcelo havia deletado suas redes sociais, sob o fundamento de que perdia muito tempo de sua vida fazendo algo inútil.
Realmente, é um ponto bastante razoável, uma postura pragmática e racional. Mas, para mim, às vezes, navegar nas redes sociais é uma boa distração. Aliás, cabem diversas reflexões sobre a vitrine das redes sociais. A frase "a grama do vizinho é sempre mais verde" ganha sua versão moderna, é atualíssima. A felicidade do outro estampada na tela do celular põe sempre em cheque a nossa própria. Será que estamos escolhendo a felicidade correta? A escolha do outro muitas vezes parece ser melhor do que a nossa, mesmo que no fundo aquele outro esteja feliz apenas na foto, mas infeliz no momento seguinte ao click. O martírio das escolhas! Quantas outras vidas deixamos morrer, vivendo a nossa vida? Aquele caminho único que nunca sabemos se foi o certo ou errado, mas inevitavelmente único, sem chance de correção. É sempre possível recomeçar – diz a frase de livros de autoajuda, mas é impossível voltar. Bem,exceto meu namorado do futuro, que faz viagens no tempo. E se fosse verdade mesmo as suas viagens ao passado? Como seria nossa dinâmica de vida? A chance de refazer o que deu errado, quantos desdobramentos um simples ato corrigido pode produzir! Como achar a vida perfeita dentre as milhões de possibilidade no espectro "efeito borboleta"? Um olhar desatento, um sinal fechado, pode impedir a vivência de um momento chave na vida. Mas esse momento chave impede todos os outros momentos chaves que só existiram sem o primeiro. Imagine uma análise combinatória com milhões de zeros, e que pudéssemos assistir numa tela de cinema a todas as hipóteses possíveis de nossa vida. Será que saberíamos escolher a melhor vida? Será que identificaríamos o melhor caminho? Estaria clara a escolha? Será que seríamos nós mesmos? E não sendo mais nós mesmos, e, sim, a pessoa que nos tornamos a partir da mudança de determinado caminho, como de fora, julgaríamos o melhor destino? Será que aquele "eu" que se tornou diferente pela escolha diversa concordaria com a opção do eu original soberano escolhedor de caminhos? Quão distante essa vida perfeita estaria da minha vida atual? Hoje, aqui, nesse momento, estou tão feliz com meu Marcelo, completa, será que eu mudaria alguma coisa no meu passado e acabaria por alterar meu destino de encontrá-lo, caso também pudesse viajar no tempo? Talvez a graça e o penar da vida sejam exatamente o desconhecimento dos caminhos, as duas faces da mesma moeda. Como Marcelo do Futuro lida com isso? Ele tem tanta certeza que seu melhor caminho é me reencontrando?
No meio desses devaneios profundamente filosóficos, o do Presente faz um carinho no meu cabelo e me dá um beijo na bochecha e sugere irmos à outra praia, um pouco mais afastada. Voltamos a casa, pegamos o bugre e com o vento na nossa cara, passeamos pela cidade até a região dos resorts, em Muro Alto. Logo ao chegar, sentamos numa mesa de plástico amarela sob um guarda-sol, pedimos uma cerveja de garrafa e uma porção de camarões fritos. O primeiro gole é purificador, a cerveja desce estupidamente gelada e refrescante. Enquanto esperamos os camarões, aproveitamos para dar um mergulho, água salgada, corpos seminus, mãos que deslizam, algo acontecendo. Ele me olha e diz com uma certeza linda:
- Te amo tanto, sabia?
- Eu também te amo, meu amor.
Muitos e muitos mais beijos são impositivos após declarações de amor como essas. Ficamos grudados até aparecer o garçom do quiosque a deixar a porção de camarões na mesinha, à sombra. Saímos da água, sentamos, bebemos o resto da cerveja (mais uma, por favor, seu garçom), e degustamos o maravilhoso camarão, crocante, gordo.
- Vamos alugar um caiaque? – pergunta, após terminados os camarões e a segunda cerveja.
- Eu não sei direito remar, não.
Ele facilmente me convence, e após pechinchar com o rapaz o valor do aluguel pelo período de meia hora, lá estamos nós de salva-vidas e sentados no caiaque aberto duplo, eu na posição da frente, ele atrás. Marcelo me explica que a remada tem que ser sincronizada entre os ocupantes e me ensinou também a como mudar a direção do caiaque. Nos primeiros metros, conseguimos desenvolver bem o navegar. Estamos indo em rota para as rochas, quebra-mar. No terço final eu dou uma cansada e aviso:
- Agora é com você. Você é o homem.
- Cadê o feminismo nessas horas? – brinca.
- Agora eu estou trabalhando arduamente de fotógrafa – e com a GoPro na mão, disparo várias.
- Faz um vídeo ai para lembrarmos que você é uma preguiçosa que me botou para remar sozinho.
Coloco no modo vídeo e com a lente apontada para nós, inicio a gravação. Marcelo logo emenda:
- O que você diria para a Amanda do Futuro que está assistindo esse vídeo?
A frase dele soou muito irônica. Amanda do futuro? Por que essa escolha de palavras? Eu me viro para ele franzindo a testa e rindo, deixando a câmera captar minha reação e em seguida começo a falar com meu eu mais velho:
- Veja, Amanda do Futuro, como éramos jovens e apaixonados! Nunca deixem esse amor maravilhoso esfriar, beijem-se agora da mesma maneira que nos beijamos há pouco nesse mar. Que vocês continuem regando essa felicidade por muito tempo.
Será que a Amanda do Futuro verá esse vídeo daqui a muitos anos? Ou será que acontecerá algo em breve, como amaldiçoou o Marcelo do Futuro, que eu, de tanta dor, de tanta tristeza, terei vontade de deletar esse vídeo?
- Que declaração linda!
- E se você estiver vendo esse vídeo sofrendo, por nostalgia, caso estejam brigados, deixe de orgulho e conversem, se resolvam. Olha como o nosso amor é maravilhoso! Não deixe escapar algo tão mágico e raro.
- Viu, Marcelo do Futuro, nada de deixar esfriar, hein! E nada de orgulho! – ele completa, enquanto rema.
Ele falando "Marcelo do Futuro" me deixa tão confusa. Marcelo do Futuro é real, é palpável na minha vida e, de fato, é completamente diferente desse Marcelo. É bom saber que o amor por ele ainda resta aceso no escorrer da ampulheta, mas os momentos chaves da vida o transformaram numa outra pessoa. O que teria acontecido? Olha eu, divagando novamente sobre a possibilidade dessa história ser real. É muito difícil também, contudo, pra mim, acreditar que o Marcelo, meu namorado, que está viajando comigo, esteja até hoje mentindo sobre essa história. Com certeza o vídeo captou esse turbilhão de pensamentos que me vieram quando ele falou as palavras "Marcelo do Futuro", antes de eu apertar o botão e encerrá-lo. Eu não haveria de entrar nesse assunto de novo e questionar o motivo dele ter falado isso, poderia estragar o momento maravilhoso.
- Estamos chegando – ele diz.
Marcelo vira e se equilibrando, vem em minha direção devagarzinho. O caiaque balança, mas conseguimos mantê-lo na posição. Com nossas perninhas na água, Marcelo se encaixa em mim.
- Vamos fazer aqui no caiaque?
- A gente vai cair com certeza – respondo rindo.
Marcelo começa a me beijar, a coisa esquenta, ele tenta se apoiar na lateral das bordas para se ajeitar e obviamente acabamos virando e caindo na água. Emergimos rindo e voltando ao beijo.
- Eu estou muito feliz.
Ele só sorri, concorda com os olhos, a felicidade mútua.
O que poderia acabar com esse sonho?
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Homem do Futuro do Presente
ChickLitUm homem desconhecido surge repentinamente e afirma que voltou no tempo para reencontrar Amanda exatamente no dia em que se conhecem. No futuro, eles foram namorados, mas algo irá separá-los. Ao mesmo tempo em que se envolve com Marcelo do Futuro...