Capítulo 4 - Ela amará Ele (part. 4)

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Desperto cedo, verifico o celular e nenhum vestígio virtual de Marcelo. Sento-me na cama, ainda esfregando os olhos e ajeitando os cabelos bagunçados: acontecia exatamente o que previra, transou e sumiu – minha mente borbulhava e sofria por antecipação. Não posso levar isso como um peso. Como Marcelo mesmo disse, e tem razão, não posso ser machista. De repente aconteceu alguma coisa com ele que depois me explicará, sem problemas. E se ele não quiser continuar realmente, tudo bem também, sem culpa, vida que segue. Sem neuras tão cedo. Estou parecendo a Bianca. Tomo um banho demorado, tenho tempo até a hora de entrada no trabalho, a água desce gostosa na pele desgastada pela fricção de corpos, átomos em colisão, do intenso final de semana.

Vou até a cozinha e não vejo minha mãe. Talvez tivesse se demorado de propósito na cama para não ter que olhar para a minha cara malcriada e injusta. Eu havia exagerado, sei disso. Quem sabe meu orgulho me permita pedir desculpas mais tarde. Tomo um café com leite pesado, com gosto de segunda-feira, para tentar dar sobrevida ao ânimo em estado terminal e vou para o trabalho. Dessa vez não há taxi com Marcelo do futuro me esperando no portão. Confesso, sai do elevador com essa expectativa, olho ao redor e nada. Não posso chamar de decepção. Apenas uma oportunidade perfeita, mas perdida, pra me surpreender. Estou mal acostumada de tê-lo visto praticamente a todo o momento durante essa última semana.

A manhã de trabalho transcorre calma. Na hora do almoço peço pelo aplicativo de entrega uma salada e faço a refeição na minha mesa, enquanto vejo notícias e futilidades. Após a última garfada, já quando limpava minha boca com o guardanapo, Vitor se aproxima da minha mesa e de pé, me pergunta se eu havia gostado da festa. Só agora lembro que havíamos nos encontrado na sábado. Realmente, eu exagerei na bebida.

— Pois é, curti bastante sim. E você? – devolvo a pergunta por educação. Mesmo não querendo muito papo com ele, é necessária a boa vizinhança no trabalho. Não que ele seja uma pessoa ruim, só que nunca dei nenhum sinal que autorizasse esse tipo de aproximação, o que acaba se tornando extremamente inconveniente quando sempre repetido.

— Muito boa. Fiquei muito doido.

— Muito boa... – digo querendo terminar o assunto, entretanto, ele emenda:

— É seu namorado o cara que você estava esperando no bar?

— Não, não é meu namorado não. Nós conhecemos há pouco...

— Entendi... – após dizer essa palavra ele faz uma expressão, uma virada de cabeça, não sei se o tom era de critica ao Marcelo, inveja, ciúme ou frustração, mas é certo que extrai sua reprovação, sutil, mas evidente. Ele se afasta se oferecendo para levar meu prato vazio até a copa. Agradeço. O resto do dia de expediente decorre sereno, assim como a manhã, e saio dentro do horário do expediente. Chego em casa e minha mãe assiste a novela no sofá. Não estou mais em clima de beligerância, mas é certo que há um elefante agitado no meio da sala, entre a gente, nos observando e balançando suas orelhas:

— Oi – digo.

— Oi. Tudo bom? – me olha apenas para responder e logo torna a se concentrar na televisão.

Caminho até o banheiro, tomo uma ducha, troco de roupa e vou até o meu quarto. Coloco os fones de ouvidos, plugados no celular que eu mexo por mexer, sem direção certa, passando o olho nas redes sociais, escuto "Fast Car" da Tracy Chapman. Às vezes acho que o inconsciente é um DJ. Não que a letra da música se encaixe perfeitamente com a minha vida, mas eu estava tristinha pela briga com minha mãe e constando que, talvez, não fosse mais para qualquer lugar no carro rápido dele, o carro que, talvez, corra mais rápido que a velocidade da luz e faça viagens no tempo só para reencontrar comigo. Onde arranjo essas metáforas? Assim que Tracy terminou a música com "Leave tonight or live and die this way..." levanto da cama e vou até a sala. Minha mãe ainda olha atenta às previsíveis interações entre os personagens da novela. Sento a uma almofada de distância dela no sofá:

— Tudo bom? – pergunto querendo puxar conversa.

— Tudo sim. Como foi o dia de trabalho? Tranquilo?

— Tranquilo sim – digo e o silêncio se regenera, como se meu orgulho arrancasse a força para quebrá-lo de vez. O elefante me olha, repreende-me severamente. Tomo coragem para puxá-lo pelo rabo e usando de muito esforço para vencer seu peso arremesso-o pela janela. Observo ele se espatifar no chão, me assegurando que não fosse o Dumbo e voltasse voando para a sala, antes de saírem finalmente as palavras:

— Quero pedir desculpas por ontem. Fui grossa com você – a expressão facial da minha mãe se ilumina, o peso do elefante que ela parecia ter carregado nas costas o dia todo, acreditando que eu não pediria desculpas e que o clima ruim se perpetuaria por dias, sai de suas costas.

— Tudo bem, filha. Já tinha esquecido – mente, com um sorriso e me abraça. Eu a abraço forte de volta. Não sei por que, uma coisa tão boba, tão simples como pedir desculpas para a mãe, faz a minha garganta apertar. Uma angústia misturada com alívio. Seguro a lágrima fujona e com a cabeça ainda em seu ombro, peço novamente perdão. Sinto o corpo dela relaxando. Depois de alguns segundos separamos o abraço e ela me olha nos olhos, dizendo sem dizer, tudo aquilo que eu queria ouvir. Fico ali vendo a novela com ela, entre com comentário e outro, até tarde. Ela, então, resolve deixar as coisas bem claras, com uma dose leve de ironia, para que não houvesse novos desentendimentos, mesmo sendo arriscada a pergunta:

— Mas, então, vou poder saber desse rapaz que você está saindo ou é intromissão demais de uma mãe chata como eu?

- Pode, mãe, pode sim. Mas acho que não vai ter muito mais o que perguntar não. Depois de sábado, ele me deu bolo no cinema que havíamos marcado, hoje não deu sinal de vida, enfim, acho que ele conseguiu o que queria e vai se tornar apenas mais uma história clichê sobre os homens.

— Bom, se ele agir assim mesmo, estará sendo um completo idiota, e perderá uma mulher maravilhosa...

Agradeço o elogio com um sorriso, mas faço questão de transparecer que não estou abalada.

— Mas não fiquei chateada nem nada. Tranquilo. Foi legal, não me arrependo.

— Bola pra frente – ela diz, terminamos o assunto e logo um tempo depois nos retiramos para dormir. Antes de deitar, dou uma conferida no celular, mas não há nenhuma mensagem dele. Pode ter acontecido alguma coisa, um imprevisto, um compromisso esquecido? Mas podia ter me mandando uma mensagem de satisfação, não? Ele havia dito com todas as letras: "eu prometo", de livre espontânea vontade, sem eu ter cobrado nada. Pra que isso? Sem muito sono, rolo na cama, pensando no quanto fui ingênua ao acreditar nele e, pior, naquela história estapafúrdia de viajante do tempo. Como pude ser tão trouxa? E ele, como pôde ser tão psicopata? Marcelo inventou essa mentira toda só para impressionar e conseguir transar comigo. Meu deus! Com essas indagações e constatações surreais na cabeça, depois de muito insistir, adormeço.

O Homem do Futuro do PresenteOnde histórias criam vida. Descubra agora