Olá?

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A luminosidade que envolvia seu corpo me impedia de reconhecer de imediato o que meus olhos estavam vendo. A silhueta era feminina, seus lábios eram cheios e seu cabelo longo.

A garota estava deitada no chão, adormecida, nua e de frente para mim, mas o que fez meu estômago gelar e o sangue correr mais rápido por minhas veias eram o par de asas brancas fixadas em suas costas.

~

O alarme de meu carro ecoava pela noite escura e eu não conseguia tirar os olhos da criatura caída no chão.

Meu corpo ainda estava escorado na lataria do carro e minha respiração estava engatada na garganta. Não tinha forças para movimentar as pernas e meu cérebro parecia ter congelado.

Eu não entendia o que havia acontecido. Onde estavam os quatro homens nas motocicletas que me abordaram? De onde havia surgido a luz que me cegou e o grito que quase fez com que eu perdesse a audição? Eu não entendia, mas minha intuição gritava que aquela criatura tinha algo a ver com tudo aquilo.

A garota se remexeu no chão e eu engoli em seco, a observando espalmar as mãos no asfalto molhado pelo orvalho. Um resfolegar dolorido me alcançou os ouvidos e segundos depois um choro baixo preencheu a estrada deserta.

Eu precisava correr dali. Fugir.

Dei um passo para entrar no carro e seu rosto coberto de lágrimas me olhou. Seus olhos, bem como o globo ocular, eram totalmente negros e quase cobertos pela franja loira. A luz que emanava de seu corpo agora não passava de uma manta fina.

Engoli em seco. Seus olhos demonstravam medo, pavor ao me encarar. Correu sua atenção à nossa volta e pude ver os lábios carnudos murmurarem algo, o que fez o manto de luz que envolvia sua pele brilhar com mais força, porém voltando a se apagar quase que totalmente. O que me permitiu notar as feridas distribuídas por todo seu corpo magro.

Escoriações decoravam seus joelhos, braços e rosto. Parecia que a garota havia levado uma surra. Um dos joelhos gotejava sangue, bem como seu supercílio.

Sua frustração transpassava por suas feições. Queria sair dali e estava com medo de mim tanto quanto eu estava com medo dela.

Olhei para o interior de meu carro e então para a estrada atrás de mim. Estávamos com sorte de ainda não ter surgido ninguém por ali. Respirei fundo e voltei meu olhar para a criatura ainda no chão. Parecia que ela não conseguia se colocar de pé.

- H-hey.. - Soltei o ar, olhando nos olhos negros da garota. - V-você consegue.. - Engoli em seco. - Me entender?

Seu rosto ainda estava amedrontado e seus ombros encolheram quando dei um passo inseguro em sua direção.

- Calma. - Pedi com as mãos erguidas na frente de meu corpo, mesmo eu não tendo certeza do que falava. - Eu não vou te machucar.

Sua cabeça fez um leve aceno em concordância que me fez arquear as sobrancelhas.

- Consegue me entender? - Perguntei novamente e mais uma vez recebi um aceno de cabeça. - Você... Você me ajudou aqui? Quer dizer, você... - O novo aceno fez meu peito esquentar ligeiramente em alívio. - Certo. Meu nome é Jennie. - Tirei o sobretudo que usava por cima da roupa social. - Eu vou colocar isso em você, okay? E então, vou te colocar no carro, tudo bem?

A garota concordou com a cabeça outra vez e então eu dei mais um passo em sua direção.

Passavam várias cenas completamente irracionais pela minha cabeça: Ela ser uma vampira e me devorar; ela ser um demônio e me torturar; ela ser qualquer coisa com a finalidade de me matar; e mesmo assim agachei a sua frente.

Suas asas não pareciam ser como as das aves, tinha um aspecto sedoso e reluzente. Eram medianas, iniciava em seus ombros e terminava em sua cintura fina. E com a diminuição da distância pude constatar que ela era absurdamente linda.

- Certo.. - Sussurrei por baixo do fôlego, colocando o sobretudo delicadamente sobre seus ombros e pude ouvir um gemido de dor. - Desculpe. Me desculpe. - Me afastei para olhá-la. Seu globo ocular parecia estar clareando aos poucos. - Eu vou te ajudar também. Pode confiar em mim.

Desde pequena eu tinha dificuldade em acreditar em algo do plano espiritual. A falta de fatos e o excesso de histórias meramente irrealistas fez com que minha crença em Darwin e sua teoria do evolucionismo fossem verdade absoluta.

Talvez o fato de eu ser cética me deu a dose de coragem necessária para auxiliá-la à se colocar de pé.

Um arrepio percorreu meu corpo inteiro no momento em que sua mão segurou na minha. Seu toque era tão macio que se assemelhava a veludo.

- Minhas asas.

Sua voz ecoou baixa e doce, remetendo-me à algodão doce.

- Depois a gente fala delas. - Minha voz saiu falhada. Lancei um olhar para as penas cintilantes antes de encarar mais uma vez seus olhos que agora já tomavam uma coloração castanha. - Você precisa entrar no carro antes que alguém passe e te veja. Tudo bem?

Levar aquela criatura para dentro de meu carro não era a atitude mais inteligente à ser feita, levando em consideração que não se tratava de algo comum. Eu ainda estava completamente aterrorizada com o par de asas e o manto reluzente que seu corpo carregava, entretanto, a preocupação de alguém aparecer por ali e tentar fazer algo contra aquela criatura, que eu ainda não tinha certeza se havia de fato me salvado, era maior.

Coloquei o cinto de segurança ao redor de meu corpo e agarrei o volante com as duas mãos, procurando respirar, enquanto a criatura tentava se acomodar no banco traseiro de forma que não machucasse suas asas.

- Você vai me levar para o seu apartamento? - A voz da garota tilintou e meus olhos voaram para o espelho retrovisor, encontrando o par de olhos agora na cor de ouro.

- Eu não sei. - Engoli em seco. A força com que apertava o volante era tanto que os nós dos dedos estavam brancos. - Você vai me contar o que aconteceu ou o que você é?

Observei a garota desviar o olhar do meu e fitar a escuridão através da janela. Senti a ansiedade nascendo nas solas de meus pés e subindo através de minha espinha, se alojando em minha nuca.

Eu não sabia que não estava preparada para a informação até o momento em que ela abriu a boca.

- Estava acontecendo uma batalha no plano espiritual desde o momento em que você acordou esta manhã. - Seus olhos voltaram a me encarar através do retrovisor e senti minha pele se arrepiar. - Uma potestade estava brincando com seu caminho para implicar comigo.

Foi a primeira vez que minha cabeça girou. Precisei fechar os olhos com força e respirar fundo.

- Plano espiritual? - Eu precisava de água. Minha garganta queimava. Não houve resposta da garota. - Então você realmente é... - Uma risada incrédula escapou de minha garganta, mesmo sendo óbvio.

- Um anjo.

O riso frouxo em meus lábios morreu instantaneamente. De duas uma: ou eu estava louca ou eu de fato havia morrido naquele disparo e estava atravessando o limbo.

- Você não pode estar falando sério. - Soltei o volante e puxei as mangas da camisa até que ficassem na altura dos cotovelos. Um sinal claro de nervosismo e impaciência. - Eu devo ter morrido ou entrado em côma. Com certeza há uma explicação muito lógica para o que está acontecendo aqui.

- Perdão por isso. Eu não deveria estar visível para você. Meus dons parecem não estar funcionando. Eu não sei o que aconteceu.

Um par de faróis surgiu no retrovisor, o que me fez despertar e girar a chave na ignição. Eu sabia que era perigoso ficar ali. Sendo uma alucinação ou não, precisava sair dali rapido, mas também não tinha ideia sobre o que fazer com o anjo no meu banco de trás.

[EM REVISÃO] Angel - Jenlisa | ChaesooOnde histórias criam vida. Descubra agora