COERENCIA

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— A vida é estranha não é mesmo? — Álvaro acorda no escuro escutando uma voz melodiosa. Ele continua grogue, e sente-se como se estivesse dando vários loops de trezentos e sessenta graus.

— Os meus olhos estão ardendo. — Ele reclama, mas não consegue tatear pela escuridão, porque seus braços estão amarrados. Na verdade ele está todo imóvel, mas ainda não percebeu. — Quem é você?

— Eu sou Éris. — A mulher responde sem medo e tendo na voz um sorriso.

Álvaro escuta um barulho de correntes sendo puxadas. Como alguém que esta se levantando. A pessoa chega perto dele e grunhe.

— O que você quer de mim? — Ele mexe sua cabeça para todos os lados, como quem está procurando a luz.

— De você? Eu já tenho um souvenir que já guardei.

— Um souvenir? O que você quer dizer?

— Eu sei que você não é surdo. — Éris ao terminar de falar "surdo" solta uma gargalhada. — Pelo menos não ainda.

— A sua voz não é estranha!

— A minha voz é comum. — Éris explica com um tom debochado. — Não sou uma pessoa importante... Pelo menos não igual a vocês. Eu sou uma pessoa necessária para o equilíbrio.

Álvaro tenta se afastar do novo barulho de correntes que acontece ao seu lado.

— Quem está ao meu lado? — O noivo de Juliana tentar se mexer novamente.

Com os sentidos de tato, cheiro e paladar normalizando, entende que não está sentado, mas em pé e preso por todos os lados.

— Um amigo. Aliás um grande amigo seu... ou seria um cliente?

— Eu não trabalho com vendas.

— Não diga isso meu jovem... Nós sabemos que você trabalha vendendo coisas proibidas. — Álvaro sente o sabor salgado da maresia.

— Olha... Heras. Eu nunca usei drogas. Quanto mais vendê-las. — Ele arrisca interpelar.

— Éris meu lindo... Meu nome é Éris. A deusa do Caos. Aquela que foi desprezada pela sua mãe, Hera, por causa da sua beleza. Eu sou uma agente do caos! Eu destruo a harmonia, com minha discórdia.

— Éris você precisa acreditar no que digo! Está acontecendo um terrível engano aqui! Eu não sou quem você acha quem sou.

— Álvaro eu não vou explicar para você quem sou. — Ele escuta ela caminhando, se afastando dele. — É bem verdade que expliquei a origem do meu nome, mas só ficará nisso mesmo. Os homens não merecem um deslumbre de quem sou na verdade. Você é um bosta. Bosta não, por que tem vida, mas você é um nada.

Álvaro abaixa a cabeça tentando escutar para qual lado as passadas seguiram. Porém ele percebe que a mulher no salto alto está voltando.

Ela para ao lado dele. E ao ter essa percepção de proximidade, ele sente suas entranhas revirarem.

Primeiro, porque agora entendeu que está soterrado até a altura do mediastino.

Com a droga passando o efeito, ele compreende o quão enterrado está, em todos os sentidos bem verdade, mas pelo som do vasilhame que foi depositado perto do seu rosto, algo líquido mexe-se próximo a ele.

E segundo... o cheiro que vem de dentro do vasilhame é podre.

— Eu tenho nojo de homens iguais a você.

— E-eu não fiz nada!

— Sim você fez... E sabe que fez. Eu tenho seu HD.

Álvaro sente um calafrio percorrer sua espinha ao escutar "HD".

— Ha!Ha!Ha! Acho que agora você entendeu que sei. — O noivo de Juliana escuta novamente o lamento de uma dicção incompreensível, bem ao seu lado.

Éris o chuta na cara.

— Eu vi o quanto você é sórdido. Eu vi todas aquelas meninas, que não chegam aos doze anos, tendo suas imagens vendidas. Eu vi o que você fez com elas.

— Eu não fiz nada. — Álvaro sente a boca encher de sangue. — Eu sou inocente.

Éris liga uma tv.

Álvaro se escuta em ação. Não há gritos, por que elas estão drogadas, mas há a voz dele dizendo o que está fazendo.

Ele sacode-se em vão, e diz:

— Eu vendo sim pornografia infantil! — Ele gargalha e continua: — Você acredita que me matando vai mudar o que fiz?

— Não. — A resposta é seca.

— Sua filha de uma puta, eu não estou sozinho nisso... É uma rede! Entendeu bem? Uma rede internacional de pedofilia! Você deve ser uma sapata mau amada ou quem sabe até tenha participado do meu filme. — Alvaro sorrir novamente. — Não há nada que você pode fazer, belezinha do papai.

Álvaro escuta a mulher se aproximando sem pressa.

— Sabe Álvaro... em uma coisa, infelizmente você tem razão. Eu não posso desfazer jamais o que você fez.

— Sim! Você não vai poder nunca. E saiba que isso não vai ficar assim. Eu vou morrer, mas outros assumirão meu lugar. Você não entende o quão é grande e lucrativo esse meu mundo.

— Eu sei que isso também vai acontecer, mas deixe-me explicar uma coisa. — Éris pega o vasilhame, quando é interrompida por Álvaro.

— Eu não me arrependo de nada! E não vou implorar por misericórdia!

Éris despeja o líquido podre sobre Álvaro.

— QUE PORRA É ESSA?

— O seu diálogo não está coerente com sua ação. — Éris começa a falar debochando. — E mesmo sabendo que não não tenho como impedir o que já foi feito, por outro lado — A voz de Éris passa a ter um tom de quem está saboreando. —, eu irei impedir que você acabe com a infância de outras tantas crianças.

Álvaro cospe os pedaços podres de carne que descem pela sua cabeça.

— SUA PUTA DESGRAÇADA! VOCÊ VAI MORRER!

— E quem não vai Álvaro? Todos vamos. Mas você vai primeiro!

— O QUE É ISSO? O QUE ESTÁ SUBINDO NA MINHA CABEÇA? AAAARRRGGGHHHH!

A Língua de Deus - COMPLETO - 30/10/2019 - +18 Anos. SEM REVISÃO Onde histórias criam vida. Descubra agora