ARMAZEM 31

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Medeiros aonde você está?

— Eu estou saindo do hospital, Almeida.

Então acho melhor você dar uma chagada aqui no Armazém Trinta e um, no Recife Antigo.

Medeiros desliga a ligação. Para em frente ao elevador do hospital. A porta de aço inox está tão limpa, que chega a se ver pelo reflexo.

Ela fecha os olhos.

Sente um gosto amargo na boca.

A agente sente que Almeida deve ter achado seu cunhado. Uma das coisas que Medeiros tem aprendido nos últimos anos é ler as entrelinhas. Observar mais as pessoas.

Ler os sinais corporais.

A reunião sobre o pouco tempo de vida que seu pai tem, volta a cada cinco minutos em sua mente.

Saber que no máximo ele terá seis meses de vida, a deixa revendo suas perspectivas.

Porém uma angústia forte toma-lhe o coração. A sensação da impotência diante da ciência que é somente uma pessoa.

Uma mortal.

Medeiros sempre se orgulhou da sua proatividade, polivalência, determinação e altruísmo. Mas não hoje. Ela está infeliz. Amarga.

Desde o suicídio de Karina, e sua promessa que nada será como antes, as coisas só vão atestando que ela estava certa. Pelo menos quanto a vida dela, Medeiros concorda que sim.

O elevador abre a porta, Medeiros entra e aperta o "SS".

Ela abre um leve sorriso diante da nomenclatura que informa, de forma clara e objetiva, que o "SS" é o "Sub-solo".

E raciocina que a vida poderia ser assim, tão simples. Mas não é. Além de complicarmos, a própria vida também ajuda a complicar.

As pessoas tendem a deixar a vida mais tenebrosa. Ela sente-se levando um caminhão nas costas.

Como se fosse possível sentir esse peso, mas a nossa cabeça tende a exagerar e ainda piorar o que já está ruim.

Quando o elevador chega ao destino, ela sai e segue até o seu carro. Medeiros sabe que os cinco meninos nao serão os únicos. Karina avisou. Algo maior e pior vai acontecer.

E ela suspira. Sente os ombros queimarem. Parece que acenderam brasas vivas em baixo das suas clavículas.

O peso das suas decisões, o fardo de querer largar tudo e ficar reclusa com a família, mas como fazer isso?

Como abrir mão das pessoas? Ela balança novamente a cabeça negativamente como resposta.

Impossível."

Medeiros não pode deixar as famílias das vítimas sem respostas, ela não pode dar-se o luxo de parar.

Karina falou sobre Éris.

Que ela chegaria com "fome", com desejo de matar. Um diabo vestido de mulher.

Se não bastasse viver com o coração apertado pelo seu pai... sua mãe já deve está sabendo do tempo de vida dele.

A sua irmã deve logo mais receber notícias ruins... Ainda sabe que as duas, Kali e Éris, uma morta e outra viva, irão chacoalhar ainda mais sua vida.

Medeiros só percebe que já está dentro do carro, com as mãos sobre o volante, quando o celular novamente toca.

Meu amor, onde você está?

— Eu estou no hospital. Greg...

Oi princesa. Estou aqui.

— Eu queria que você estivesse aqui, agora.

Duas pancadas no vidro fazem Medeiros virar-se e abrir um largo sorriso.

Ela abaixa o vidro.

— Por que eu ainda fico surpresa?

Gregório se debruça sobre a porta do motorista, e suavemente beija Medeiros.

— Olha... Eu fico muito feliz por ainda te surpreender. — Novamente os dois se beijam. Gregório passa sua mão direita nos cabelos de Medeiros e diz:

— Eu estava passando por aqui, sentir seu cheiro e vim te dar bom dia. — Gregório justifica-se sorrindo.

— Como você mente mal?

— Eu não sei mentir para você. Deseja um serviço de motorista privativo?

Ela novamente abre um largo sorriso, e responde:

— Não tenho dinheiro para ter um motorista igual a você.

— Quem disse que vou querer meu pagamento em dinheiro? — O sorriso cretino de Gregório denúncia suas intenções.

— Obrigada. — Medeiros agradece sem graças.

— Eu te amo... Amo seu jeito e amo sua família.

— Minha família está ruindo, Greg.

— Ei! Não diga isso!

— Meu pai com os dias contados, minha irmã duplamente arrasada. — Ela suspira e continua: — Rafael não está se aguentando, se não fosse por Suzy, ele ainda estaria pior.

— Verdade. — Gregório limpa dos olhos de Medeiros, as lagrimas que caem. — Qual será o nosso destino?

Medeiros o beija novamente e lhe diz o endereço.

A Língua de Deus - COMPLETO - 30/10/2019 - +18 Anos. SEM REVISÃO Onde histórias criam vida. Descubra agora