Há mais de meia hora que Renata aqui e acolá olha na minha direção. Mesmo que ela procure disfarçar, sei que está olhando para mim. Ela sabe que eu não estou muito bem, mas apesar de ter começado uma grande amizade entre nós, não há ainda intimidade suficiente para ela me fazer perguntas pessoais.
Só um cego não enxergaria o meu estado: eu estou com olheiras horríveis que maquiagem nenhuma poderia disfarçar, os cabelos desalinhados porque não tive ânimo de arrumar naquela manhã, e... Renata precisou repetir uma pergunta três vezes, para que eu viesse finalmente captar a mensagem. Eu não estou mesmo nada legal. Depois daquele episódio, não era de estranhar que ela estivesse olhando para mim dessa forma. Talvez reparando o meu lento progresso em arrumar nas prateleiras, duas caixas de livros que haviam chegado na véspera. Tentei focar no meu trabalho e empurrar minhas preocupações para longe. Não queria ser demitida com menos de dois meses de trabalho.
Renan chegou apressado, como sempre, e carregando sua inseparável pasta. Eu e ele não havíamos trocado mais que meia dúzia de palavras desde o dia em que fui contratada. Ele nunca passava muito tempo comigo e Renata. Ficava praticamente o dia todo no minúsculo escritório que havia nos fundos da livraria.
Por isso, estranhei quando ele veio na minha direção :
- Júlia, preciso que me faça um favor.
Como era típico dele, falou sem olhar diretamente para mim, ao invés disso, ele examinava um papel. Parei de arrumar os livros e aguardei a ordem. Ele me entregou um pacote.
- Preciso que vá até até à loja aqui ao lado e entregue esse livro ao seu Bernardo. É uma encomenda dele.
Seu Bernardo era o patrão de Leandro. Eu estava com pilhas de livros para organizar, mas o meu maior descontentamento era ver Leandro logo pela manhã. Sem que eu dissesse nada, ele se desculpou:
- Sei que você está muito ocupada, mas é que tenho algo muito urgente para resolver. Muito mesmo. - e saiu quase correndo.
A loja de eletrônicos era logo ao lado. Eu não iria gastar mais que alguns minutos, mas o problema era o Leandro. Se ele estivesse desocupado, iria me fazer demorar ali. Ele já tinha até ido me ver duas vezes, com o pretexto de procurar algum livro.
Eu abri a porta e me surpreendi com o que vi: Leandro estava conversando, muito bem à vontade, com uma garota. Era Natasha. Ele devia ter dito algo muito engraçado porque ela ria muito. Dava para perceber que os dois eram bem íntimos, já que ambos estavam inclinados, se escorando no balcão, com as cabeças bem próximas. O que eu admirei, já que nunca tinha visto eles juntos. Eles notaram a minha presença. Natasha ficou sem jeito e endireitou a postura,talvez constrangida com o próprio comportamento. E eu pude ler a culpa nos olhos de Leandro. Não me senti mal em nenhum momento. Aliás, se os dois resolvessem namorar, seria maravilhoso.
Ela pegou uma pequena sacola do balcão, se despediu brevemente de Leandro e deu um sorriso quando passou por mim.Me aproximei dele:
- Seu Bernardo está?
- Ele saiu.
Deixei o pacote com o livro em cima do balcão.
- Renan me pediu para entregar isso para ele.
Me virei para sair quando ele pigarreou e falou:
- O que você viu, não é o que está pensando.
Até parecia que éramos namorados.
- Eu não vi nada e não pensei nada. - respondi me virando de frente para ele.
- Júlia, não quero que interprete mal. Eu e a Natasha...
- Leandro - deixei claro - não tenho nada a ver se você quer namorar alguém ou não. Você é livre! E só para constar: Natasha é uma pessoa maravilhosa.
Em seguida saí.
Entrei na livraria e me ocupei em organizar o restante dos livros, que não eram poucos. Renata continuava se concentrando em uma nova decoração para a loja. Ela era ótima.
Meio-dia, vi Leandro entrando:
- Vamos almoçar juntos hoje?
Renan sempre comprava quentinhas para nós três. Mas Renata fez um gesto para que eu aceitasse. Não tive outra alternativa além de acompanhá-lo até uma lanchonete, que por sinal, vendia uma comida deliciosa. Se eu recusasse o convite, Leandro poderia achar que eu estava com ciúme de Natasha.
Ele permaneceu calado até o momento em que nos sentamos com nossos pratos feitos.- Então... - ele começou e eu vi que seria o mesmo assunto - eu e a Natasha meio que... estamos sendo amigos, sabe? Eu fui sincero em falar que meu coração já estava preenchido.
Tendo dito isso, ele olhou longamente para mim, e me apressei a baixar o olhar para o meu prato.
Eu esperei ele falar novamente, o que ele não fez.- Você sabe que eu gosto do Danilo. - resumi. Poderia falar por horas, mas no final, tudo se encaixaria nessa única frase.
É verdade que havia alguma pendência em relação à carta. Mas eu gostava do Danilo. Na verdade, eu amava o Danilo. Mesmo estando magoada com ele no momento.
- Eu espero. - deu uma pausa - Posso esperar por você a minha vida toda.
Continuei olhando para o meu prato. Não era o apropriado a se fazer depois de ouvir aquelas lindas palavras. Mas, elas não faziam nenhum efeito dentro de mim. Tudo aquilo era, no mínimo, constrangedor.
Não falei mais nada. Nada do que eu falasse convenceria o Leandro a desistir de mim. Ele já havia deixado isso bem claro. Era estranho pensar que um dia fui apaixonada por ele, e agora, dispensava-o todos os dias.------------------------
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(Des)complicado Amor (LIVRO 2)
RomanceContinuação de "Complicado Amor" Júlia Beatriz fez uma promessa: ela esperaria por Danilo. Danilo, por sua vez, prometeu que iria voltar. Nenhum dos dois imaginou quanto tempo iria se passar até aquele reencontro acontecer. Leandro, porém, usa esse...