Capítulo 31 - Não me deixe sozinha

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"Então, nem tudo são flores e a primavera não demora e se vai com a chegada das chuvas de verão que lavam a alma, que logo também se encerram trazendo consigo o outono com seus frutos amargos, seguido do frio congelante que se instala no coração humano.

Se temos momentos felizes? Sim, o tempo todo.

E são esses momentos de regozijo os mais lembrados? Nem sempre.

Aquilo que não nos destrói, nos deixa mais forte e feridas na alma são mais difíceis de cicatrizar, portanto permanece em nós até quando permitimos não sermos curados".

Passaram-se alguns dias desde a última vez que havia visto a Felipe e ao saber que ele atenderia pacientes no hospital, eu fugiria o quanto antes para não o ver.

Pela décima quinta vez, eu corri em direção ao banheiro com a sensação terrível de enjoo, como se tudo que eu tentasse ao menos sentir o cheiro me fizessem muito mal. Nesse mesmo dia, eu não fui trabalhar e aquele mal-estar já me acompanhava por uma semana.

Minha cunhada Jane mesmo da Holanda e pela chamada de vídeo, insiste para que eu faça alguns exames, inclusive o de beta HCG.

– Eu não estou grávida, nunca fui descuidada assim – eu reafirmei em resposta ao casal que me observavam duvidosos.

Já fazia tanto tempo que não transava com alguém que poderia descartar essa possibilidade facilmente.

Jonathan insistiu na ideia e me fez lembrar da última vez que estive com Felipe frente ao lago e em como não nos protegemos, pois foi algo rápido e impensado.

Então, me "caiu a ficha" e pensei que sim, seria possível: a assustadora ideia de que realmente eu poderia estar esperando um filho de Felipe e me apavorei com tal possibilidades. No entanto, nada disse ao me despedir de Jonathan e Jane, pois teria que confirmar primeiro aquelas suspeitas.

Estava ainda vestida de pijama e esfregava a minha nuca com os meus cabelos curtos de frente a geladeira. Nada que eu tinha para comer me interessava apesar da fome.

A campainha tocou, tirando minha atenção das prateleiras da geladeira. Eu estava horrível, provavelmente com uma péssima aparência, mas atendi a porta daquele jeito mesmo.

Para minha surpresa deparei-me com meus olhos verdes fascinantes e com um sorriso leve. Ele trazia nos braços a Expectra toda bem cuidada no pet shop, com direito a lacinho rosa em torno do pescoço. A neguinha dos olhos azuis estava linda e em seguida, Felipe me pediu para entrar no apartamento.

– Desculpe-me vir sem avisar – ele me entregou a gatinha – no hospital me disseram que você não estava se sentindo bem.

Eu alisava o pelos macios de Expectra e na verdade estava em choque pela visita surpresa e por ainda não poder dizer sobre a provável gravidez.

– Você está melhor? – ele me observava enquanto eu me segurava para não me sentir enjoada – não parece estar bem.

Ele queria se aproximar de mim e eu me esquivei disfarçando ao perguntar se ele não aceitaria beber algo. Não poderia deixar um médico me examinar e isso seria óbvio para ele o porquê dos meus enjoos.

Felipe olhou para o apartamento como se fizesse um reconhecimento depois de um bom tempo que não via aquele lugar e eu pedi para que se sentasse no sofá, que eu lhe serviria um suco.

Eu brinquei um pouco com Expectra que pareceu me reconhecer agradecida por estar de volta, enquanto Felipe nos olhava.

– Eu te agradeço por ter cuidado tão bem de Expectra – eu não conseguia encarar aqueles olhos que me desestabilizava e então olhava somente para a gatinha. Felipe suspirou profundamente.

– Lígia, está tendo enjoos e pediu para que eu a trouxesse – dessa vez olhei para o médico e minha reação foi de espanto.

Eu respirei fundo, tentando me acalmar e sinceramente não esperava ouvir de Felipe aquelas palavras que soaram como provocação.

E ao dar-lhe as costas eu não queria que ele me visse chorar. No entanto, eu fiz com que a atenção dele se voltasse exclusiva para mim e Felipe se aproximou ao tocar em meus ombros.

– Laysa, eu preciso de dizer tantas coisas – a voz dele saiu abafada – mas, aconteceu que a gravidez de Lígia me pegou de surpresa e eu não queria que as coisas tivessem tomado esse rumo... – ele me abraçou pelas minhas costas e eu chorei ainda mais.

Eu sentia seu abraço forte e o seu coração acelerado. Naquele momento, eu pensei em como não havia amado tanto a alguém na minha vida e ele sabia disso, apesar de mesmo sem querer sempre me ferir, eu não poderia me esquecer que o havia ferido primeiro e talvez se vingasse machucando a nós dois.

Eu também queria dizer muitas coisas para ele, mas não conseguia. Se eu contasse sobre a minha gravidez, a primeira impressão seria de provocação a namorada dele e outro fato seria que Felipe e eu não estávamos juntos, as consequências de tudo aquilo seriam drásticas no meu trabalho, assim como na família de Felipe que tanto me acolheram.

Eu virei-me de frente para ele e encostamos nossas cabeças ligadas pelas frontes, enquanto chorarmos.

– Desculpe-me Laysa – ele disse com a voz de choro.

Nós nos olhamos por mais alguns segundos e nos beijamos de forma desejosa, porém doída, como se já prevíssemos uma despedida.

Felipe se afastou de mim e por último soltou uma de minhas mãos ao caminhar em direção a saída.

– Eu sempre vou te amar – ele disse com um sorriso fraco e depois saiu pela porta do apartamento.

Eu senti vontade de me jogar lá do alto do apartamento, com sorte eu chegaria ao chão antes dele chegar à portaria do prédio, mas ao invés disso paralisei-me no mesmo lugar que ele me deixou, como uma estátua, sem reação, sem vida. Eu estava acabada.

Eu fiquei sozinha e sem saber o que fazer, não poderia de forma alguma estragar a lua de mel de Catarina que mesmo de volta da viagem que fizeram a Cancún, eu não poderia ocupá-la com meus problemas.

O amor da minha vida vai se casar com outra, meu coração estava em pedaços e minha alma estava em ruínas.

Ele disse que me amava, mas pesou sua consciência e prevaleceu a moral, os prestígios de sua profissão, assim como nome de sua família diante de mim que nada sou.

Esses pensamentos me invadiram assim como os enjoos frequentes. E eu teria pela frente, mais uma noite sem sono, onde meus sonhos e alegrias, se tornaram em trevas e cinzas.


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