Capítulo 4 - Não se Afaste de Mim

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O que eu não tive de sono a noite, veio acumulado pela manhã. Expectra estava morrendo de fome e chegava a me morder a bichinha.

- Eu já vou gatinha - com minhas mãos estendidas alisei o seu pelo sedoso.

Sentei-me no meu sofá, enquanto a água do café fervia no fogão e fiquei pensando no pesadelo da noite anterior. Eu não conseguia parar de pensar naquelas imagens e na sombra que dizia ser o meu reflexo.

Nesse dia, ficou marcado o meu retorno à clínica de Felipe para retirada dos pontos no meu braço. A ansiedade me consumia pelas horas que pareciam ser infinitas. E "de quebra" eu aproveitaria para falar com Catarina sobre o meu sonho sinistro. Ela é meia bruxa e entende um pouco dessas coisas sobrenaturais.

A minha cabeça doía, parecia resseca. Mas, de quê? De brigadeiro? De falta de amor? Do sono? A última alternativa, bem provável.

A clínica estava em um dia calmo de meio de semana. Sofia, minha substituta me abordou de forma doce.

- Bom dia, no que posso ajudar? - poderia começar não tomando o meu emprego. Pensei.

- Ela quer o Dr. Felipe - Catarina surgiu atrás de mim.

Trágico senão verdadeiro! Eu girei meu corpo para a voz conhecida e abracei a minha amiga.

- E então como estão as coisas? - perguntei diante do recuo de Sofia ao perceber quem eu era.

- Por aqui, tudo bem - ela se abaixou para olhar meu rosto - e você, que olheiras são essas?

Eu chamei Catarina para conversarmos na cozinha e lhe contei sobre o meu pesadelo. Ela ficou pensativa, mas não disse coisa com coisa, disse algo sobre maldição herdada ou coisa do tipo e eu não dei créditos as palavras dela. Depois de me deliciar do café cremoso, formos interrompidas por Sofia que dizia que o doutor já me aguardava. Eu e Catarina entreolhamos e ela sempre com um sermão pronto:

- Juízo! - Cath não se importou com o arregalar de olhos da substituta.

Felipe, como sempre, se encontrava muito bonito. Ele vestia o seu jaleco branquinho e reluzente de bem cuidado. Os cabelos penteados para trás com pouco de pomada para cabelo, na certa, e com um sorriso de hipnotizar garotas.

- Oi. Sente-se vamos ver como está seu braço - ele parecia nervoso, mas disfarçava bem.

O doutor se mostrou distante e frio na tratativa com minha pessoa. Ele estava diferente comigo, eu percebia que algo havia mudado entre nós. O sorriso dele ficou somente no comprimento e depois agia como um completo estranho e suas falas técnicas de médico.

Ao que pareceu, para Felipe eu seria como qualquer outra de seus casos extras conjugais e aquele nosso primeiro beijo não mexeu com ele de forma diferente ou conforme eu imaginava, e que pelo jeito tanto fez ter mais uma mulher em sua vida de galã. Eu pensei que talvez ele já estaria se pegando com Sofia e eu suspirei de nervoso pelas minhas suposições.

Apesar de querer sair correndo daquele ambiente hostil e agora com o estranho que me ignorava, eu ainda me achava racional e não pretendia forçá-lo a debater as minhas emoções. Se ele resolveu esquecer o que havia acontecido entre nós, tudo certo e então ficaríamos como antes: Apenas um médico passando pela recepção cumprimentando-nos com o seu bom dia e eu me derretendo toda ao olhá-lo passar feito uma idiota.

Felipe de cabeça baixa, puxou com delicadeza os fios de nylon do corte já curado.

- Você parece estar chateada - ele me surpreendeu com a pergunta e ao voltar seus olhos verdes para mim.

Eu queria perguntar:" E aí o que você decidiu fazer em relação a nós dois?". "Já me trocou pela substituta?"

- Eu ando com alguns problemas, só isso - foi o que saiu da minha boca.

- E eu posso ajudar de alguma forma? - Ele me olhou lindamente, porém o meu interior já se remoía de tanta raiva dele.

Eu fiz que "não" com a cabeça, o agradeci e quando já ia saindo da sala, ele tocou no meu braço, no entanto se manteve à distância.

- Desculpe-me por aquele dia - acho que ele vai cortar meu coração agora - Mas, nossa relação foi de médico e paciente e eu não sei o que houve comigo - ele fez isso, quem pode juntar os caquinhos espalhados pelo chão?

Da minha voz saiu um "está tudo bem", engasgado e eu saí logo do consultório, pois não poderia chorar ali na frente dele. Eu passei pela recepção de cabeça baixa e rapidamente. Acenei quase alcançando a porta de saída da clínica, me despedindo de Catarina que atendia alguns clientes e quase já na rua, através de gestos eu tentei dizer que depois nós duas conversaríamos melhor.

Eu despedaçada e contando os passos pelas calçadas da cidade, parei em um beco isolado da rua. Bom, ali pareceu-me um bom lugar, pensei.

Eu atirei minha bolsa no chão e me sentei em cima dela, permitindo-me chorar freneticamente.

As lágrimas grossas desciam pelo meu rosto, já todo molhado levando consigo meu rímel mau passado na pressa de ir ver o doutor. E para quê, ter a certeza de ilusão e se é que eu poderia evitar? Como as coisas poderiam ser diferentes? Imaginar ele com Sofia somente me enchia de ódio.

No entanto, eu já deveria saber. Felipe e eu somos totalmente diferentes. As festas, viagens, hobby entre outros, não são iguais quando se tem mais dinheiro.

Eu não sei o que fazer agora, mas tenho a certeza de não querer botar nunca mais os meus pés naquela clínica! Deixei meu cantinho da revolta na rua e fui para o meu apartamento.

Naquela mesma tarde enquanto cuidava de Expectra, Catarina me ligou:

- O que houve para você sair correndo da clínica desse jeito?

Eu respirei fundo e estava me sentindo confiante ao respondê-la.

- Cath, me faça um favor, diga a Felipe que eu pedi minhas contas da clínica e vou no RH acertar tudo.

Catarina se desestabilizou do outro lado da linha e queria me ver, o que eu não permiti naquele momento, pois eu queria ficar sozinha. E amargurada, eu disse que Felipe poderia ficar com Sofia e desliguei o aparelho celular não esperando pelas respostas da minha amiga.

Pouco depois, Eduardo me mandou uma mensagem querendo reconciliação e eu a respondi.

"Tudo bem podemos tentar de novo".

Eu tomei um medicamento para ansiedade e deixei-me cair em minha cama, dormindo profundamente em plena luz do dia.

Acordei no fim da tarde assustada, porque Catarina estava para chamar a polícia e mandar arrombar a porta do apartamento pelo tanto que ela batia. Eu estava meio tonta e chamei a louca para entrar antes que meus vizinhos a matassem pelo barulho.

- Como assim eu movendo céus e terra a sua procura e você estava dormindo?

- Desculpe-me, acho que exagerei com o medicamento - eu respondi a fazendo pensar.

Catarina sempre fazia uma tempestade seguida de calmaria. Uma pessoa espetacular. Ela me abraçou como uma irmã que nunca tive me confortando.

- Ele quer falar com você - ela não precisava dizer o nome de quem seria.

- Sobre o quê, o como eu não me encaixo no perfil Adriane - respondi com certo rancor na voz - ou talvez de Sofia?

- Sofia? Do que é que você está falando? - Cath pareceu mesmo estar duvidosa.

Ela me contou que Felipe ficou cabisbaixo com meu pedido de demissão e perguntou se eu havia lhe contado o motivo, diante da negativa de Catarina ele disse que precisaria falar comigo.

- Eduardo e eu, voltamos - eu disse não muito animada e já querendo mudar de assunto.

- Não faça isso, você não o ama mais - Catarina notou em mim em todos sentidos quem eu realmente amava.

- Ele me ama é o que importa.

- Tem certeza? - Ela ficou decepcionada.

Eu desviei o olhar da minha amiga, oferendo algo para comermos.

- Hoje não é o dia do lixo - ela retrucou.

- Hoje eu preciso - eu disse me entristecendo outra vez.

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