BÔNUS

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Abro meus olhos com dificuldade, demora um pouco para que eu me dê conta novamente de onde eu estou, e com quem eu estou. Sentir o cheiro de Alice Clark pela madrugada aconchegada em meus braços, é como estar entre meus sonhos impossíveis. Jamais imaginei que conseguiria estar tão próximo a ela sem nenhum risco iminente.

Clark sempre foi o tipo de garota que sustenta uma farsa de durona para intimidar outra pessoa. Claro que quase sempre conseguia, e eu nunca fui muito bom com sentimentos. Sempre detestei sentir, ou pior do que isso, ser o único a sentir. Ela nunca demonstrou nenhum sentimento diferente da raiva e repulsa por meu jeito às vezes idiota de ser, talvez por isso sempre achei melhor manter minha postura de um típico e descolado capitão de time do ensino médio.

Foi difícil controlar tudo o que sentia por ela com o passar dos anos, até hoje ainda é. Agora só não consigo esconder, é como se meu corpo não sobrevivesse sem ela, cada mínimo detalhe de Alice Clark se torna perfeito para mim. Tenho medo de me aproximar e trazê-la para o meu universo obscuro, não por quem eu sou, mas por quem eles são. Tenho a sensação que jamais terei coragem de dizer a ela toda a verdade, ainda mais sabendo que por certo um dia acabaria se machucando, e aí, seria o fim para mim, eu não sobreviveria sem ela, muito menos lidaria com a culpa.

Com cuidado, tento retirar meu braço debaixo do seu corpo, ouço seu suspiro profundo e vejo o momento em que ela se agarra ao travesseiro como se estivesse com medo de perdê-lo. Eu me levanto ainda analisando seu rosto que a luz fraca do abajur me permite ver.

Alice tem o rosto mais perfeito que já conheci durante minha vida, sua pele é tão macia quanto a de um bebê, seu cabelo é tão negro quanto seus olhos brilhantes, e sua boca... é tão incrível e convidativa que mal posso descrever.

Poderia passar o tempo que for e eu jamais me cansaria de admirá-la, o único momento que me traz paz é quando estou ao seu lado, ou quando a vejo, quando a sinto dentro de mim. Alice é o tipo de garota viciante que não te permite esquecê-la tão facilmente, e tenho a sensação de que nunca conseguirei, nem mesmo preso ao mais profundo dos feitiços, feito pelo melhor feiticeiro já existente. Alice Clark é claramente impossível de esquecer.

Mesmo sentindo que metade do meu coração ficará com ela, acabo partindo, seria incrível poder ficar, mas não tenho permissão para deixar meu bando, não sem uma consequência.

Tentei lutar contra a minha realidade, tentei me livrar, como aconteceu com meu pai, mas fui convencido de que haveria um preço, o preço mais caro de todos. Meu pai o pagou da forma mais brutal, e não só ele, Dylan e eu carregamos a ausência dela até hoje. Ainda me lembro do seu cheiro doce e da sua voz serena. Perder nossa mãe foi o pior dos castigos ao qual já fomos submetidos. Foi mais fácil para ele nos enganar durante anos, dizendo que ela havia fugido e nos deixado. Dylan ainda não sabe, eu contaria, mas meu pai prometeu que o faria assim que Dylan estivesse pronto, mas a verdade é que nós nunca estaremos. Não vou mentir, o culpo por sua escolha, mas não é como se eu fosse o único. Basta olhar em seus olhos para entender do que estou falando. Michael Carson nunca será o mesmo depois dela, ele nunca conseguirá seguir em frente, nunca conseguirá superar a dor que tem dentro de si. E se por um acaso, ao qual eu duvido muito, meu pai se apaixonar, sentirei muito pela mulher, pois nunca será capaz de substituir o que um dia nossa mãe foi.

Sinto o vento gelado entrar em contato com minha pele, mas, logo que começo a correr, a temperatura não importa. Meu corpo se tornou algo bizarro, há momentos em que eu sinto que posso pegar fogo, e há momentos em que não sinto absolutamente nada. Alguns diriam que tudo isso faz parte do incrível e maravilhoso pacote, mas não há nada de bom nisso tudo. Foi triste perder meus sonhos, abrir mão do meu futuro particularmente perfeito. Mas não havia outra forma de viver em paz, ou talvez apenas outra forma de viver. Não nasceu um dia se quer, em que eu não lamente por carregar este legado, me sinto um ser desprezível e destruidor, mesmo sabendo do meu caráter, nunca sei o que esperar de mim. É horrível viver com a sensação de que não sei quem sou realmente e quais são os meus limites. Já me disseram que posso definir, que posso ser mau, ou que posso ser bom, mas não há um manual que me diga como devo agir para me tornar o cara do bem. Porque claramente não sinto isso quando estou com o restante dos garotos.

Chego até a casa de madeira, está tudo tranquilo, ao menos na madrugada não havia nenhum alvoroço. Moro com mais seis caras e uma mulher, eles são, no modo geral, esquisitos, mas acabei me adaptando, afinal, eu também sou, sou como eles.

Entro em meu quarto e me deito sobre a cama bagunçada. O cômodo é basicamente minúsculo, mal cabe minhas coisas, tenho um guarda-roupa de duas portas, uma cama e um pequeno espaço para sair e entrar no local. Mas, por incrível que pareça, há uma vantagem, é um dos poucos que possui um banheiro, porém, mal consigo me mover dentro dele.

Eu não sentia sono, quase nunca consigo dormir neste lugar, sinto falta da minha casa na cidade, sinto falta da minha vida por inteiro. Moramos em um espaço amplo, na divisa entre Daley Hill e Green Hill, é impossível encontrar um ser humano andando pelas matas daqui, deve ser uma das razões para que Bruce criasse seu clã neste lugar, aqui todos podem ser o que são, sem discriminações, sem chamar atenções, tudo para manter o legado.
Ele comanda tudo deste lado, nos ensina a lutar e a controlar nossos medos, venho aprendendo a me aceitar, embora seja difícil, no início foi horrível, todos os meus sentidos ficaram bagunçados, em mim crescia uma ira fora do comum, cheguei a sentir medo de mim mesmo. Por isso, precisei aceitar a ideia de viver longe das pessoas que me importam, até mesmo do meu irmão, eu sei que ele está passando por algo difícil agora, entendo bem como é, portanto me resta esperá-lo chegar, pois um dia vai perceber que precisa disso.

Lamento muito por Alice, será difícil para ela viver longe do Dylan, desde pequenos os dois nunca se desgrudaram, eu queria que pudéssemos estar sempre por perto, mas significaria expô-la ao perigo, e nós dois faríamos de tudo para protegê-la, nem que isso signifique não vê-la nunca mais.

Mesmo significando estar longe de quem me faz relembrar o melhor de mim, a minha parte humana.

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Foi bom ouvir o lado do Harry?
Estamos na última semana de postagens 😥.

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