Eu tentei tão dificilmente me convencer de que você se foi
(My immortal – Evanescence)
Nick fica ali me olhando, escolhendo as palavras certas para falar.
— Eu realmente não esperava ouvir isso. Não sei realmente o que falar.
— Não precisa falar nada. Só o fato de falar isso com alguém já é um grande passo.
— Como aconteceu?
— Estávamos na casa de Bernardo vendo um filme na TV, aquela coisa toda de casal. A mãe dele e o irmão tinham saído. Bruno, seu irmão tinha envolvimento com o tráfico e deveria estar aprontando em algum lugar.
Como Nick não fala nada, eu continuo.
— Quatro traficantes entraram e apontaram as armas. A reação imediata de Bernardo foi me defender, se colocando na minha frente.
Vejo Nick prender a respiração enquanto ouve a história.
– Eles estavam procurando por Bruno porque ele estava devendo dinheiro das drogas, e eles queriam tudo. Bernardo avisou que seu irmão não estava em casa e não sabia a que horas iria voltar. Um deles, o Cato conhecido como um dos mais violentos se aproximou e colocou a arma na testa de Bernardo, ordenando que lhe falasse onde seu irmão estava se escondendo.
Nick segura minha mão entre as suas.
— Fiquei apavorada e comecei a chorar. Implorei para Cato, disse que Bernardo estava falando a verdade, que não sabíamos o seu paradeiro. Então eles se encaminharam para a porta, e quando já estavam saindo ouvi o barulho do tiro. Foi tudo tão rápido. Bernardo caiu em meus braços sangrando, enquanto Cato deixava um aviso para Bruno, que ele seria o próximo.
Fazia tanto tempo que não tocava nesse assunto com alguém. Achei que já tinha conseguido superar. Então comecei a chorar. Deixei as lágrimas acumuladas de dois anos rolarem em minha face. Nick me puxou para seu peito e eu não recusei.
— Era tanto sangue saindo do seu peito. Corri para a rua gritando por socorro, mas ninguém apareceu. Voltei para dentro, peguei meu telefone e tentei pedir ajuda, enquanto tentava parar o sangramento de Bernardo. Eu estava tão apavorada... Meu único pensamento era salvar a sua vida ... Ele segurou minhas mãos e me fez olhar em seus olhos... Ele sabia que não conseguiria chegar ao hospital. No fundo eu também sabia, só não queria admitir. Suas últimas palavras foram "eu te amo". Só me lembro de gritar que ele não me abandonasse – as lágrimas impedem que eu continue falando.
— Desculpe-me por te fazer voltar ao passado. Nunca, jamais passou em minha mente que você viveu isso tudo — Nick me puxa para um abraço.
Não consigo falar mais nada. Só quero ficar onde estou, enquanto Nick me balança carinhosamente. Quando paro de soluçar, continuo a história.
— Nem lembro quanto tempo fiquei lá, agarrada a ele, até que um amigo apareceu seguido da mãe de Bernardo. Foi um caos total. A mãe dele começou a chorar, Joca tentando me tirar de cima do corpo. Minhas roupas e mãos estavam cheias de sangue, mas eu nem liguei, eu só queria meu namorando de volta. Quando Bruno chegou em casa e viu tudo, a mãe chorando, fui com tudo para cima dele, atirando toda a minha raiva pela morte do seu irmão. Eu estava com tanta raiva. Logo depois chegou minha mãe acompanhada de um vizinho gritando, querendo saber se eu estava ferida...
Nick continua a acariciar meus cabelos.
— Foram dias, semanas, meses difíceis. Não consegui ir ao enterro, estava dopada demais pelo efeito dos medicamentos para sequer conseguir me levantar da cama. Eu desejei tanto morrer...
— Ainda bem que Deus não te ouviu.
— Foi muito difícil. A família do Bernardo teve que sair do morro, antes que mais uma morte acontecesse. Desde então, nunca mais tive notícias deles.
— Sua família também não pensou em sair?
— Minha mãe pensou na possibilidade, porque ficou com medo que Cato fosse me procurar, mas ele acabou sendo preso, então convenci minha mãe a ficar.
— E nesses dois anos, não conheceu mais ninguém?
— Eu meio que me fechei.
— Mais você conseguiu se reerguer. Isso é o que importa.
— Mais não foi fácil. Não teve um só dia que não tivesse um pesadelo. Médicos me passaram remédios para depressão, insônia e tantos outros quem nem me lembro mais. Resolvi que não queria mais estudar, não fazia mais sentido, já que a única pessoa que sempre estaria comigo não estava mais do meu lado. Comecei a faltar aula, sair todas as noites, beber até perder os sentidos para esquecer por um momento tudo que tinha acontecido comigo.
— E quando resolveu mudar?
— Quando entrei em coma alcoólico e fui parar no hospital. Minha mãe falou que não iria aguentar me perder como havia perdido meu pai. Ela estava fraca demais para lutar por nós duas. E também teve meu irmão que sentado na minha cama de hospital, perguntou se eu iria embora que nem nosso pai. Aquilo foi o bastante para acordar. Eu poderia sofrer pelo Bernardo, mas não queria que minha família sofresse junto.
— Foi bastante madura.
Ergo a cabeça e olho nos olhos de Nick.
— Nunca consegui falar com minha mãe sobre isso. Foi algo que resolvi guardar só pra mim, entende? Quanto menos ela se preocupasse, melhor eu conseguiria lidar com a situação.
— E estou muito feliz por sua confiança.
— Obrigada. Parece que tirei um mundo das minhas costas.
— Você ainda toma os medicamentos? Por isso não pode beber?
— A opção de não beber foi minha. Depois que saí do hospital resolvi que a bebida não iria me ajudar em muita coisa. E quantos aos remédios, parei de tomá-los quando me senti mais forte, mas ainda guardo para deixar minha mãe tranquila.
— E você sente-se bem?
— Tão bem, que consegui uma bolsa para estudar aqui. Vê? Estou recuperada.
Eu rio tentando aliviar o momento tenso no ambiente.
— É claro que está.
Ele me olha por mais alguns segundos, e seca meu rosto com a palma da mão antes de falar.
— Você é uma garota extraordinária, saiba disso.
— Eu sei disso.
— Extraordinária e muito convencida.
É a vez dele rir.
— Agora temos segredos compartilhados.
— É verdade. Mas você não vai querer fazer um pacto de cuspe nas mãos ou de polegares sangrando para nossos segredos não saírem daqui, vai?
— Não vamos chegar a tanto, não é mesmo?
Nick olha para o relógio.
— Hora de irmos.
Pego meu celular no bolso e olho a hora também.
— Bem, Jessye e Rafael já devem tiveram bastante tempo para colocar a conversa em dia.
— A essa altura a coisa toda já evoluiu e eles devem estar dando uns amassos no sofá.
Nick ri e eu lhe acompanho.
— Você poderia me dar seu número.
— Por que eu deveria? Você não vai me ligar de madrugada, se não estiver conseguindo dormir, vai? – brinco.
— Isso nunca vai acontecer. Nunca perco o sono, a não ser que eu esteja acompanhado.
Reviro os olhos para seu comentário.
— Anota aí antes que eu me arrependa.
Nick pega seu telefone e desbloqueia a tela.
— Pode falar.
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Tinha Que Ser Você 1
RomanceNanda seria normal como qualquer garota da sua idade se não fosse à perda do seu pai, vítima de bala perdida quando ainda era criança, e Bernardo, seu namorado, anos depois. Perdida e desolada, Nanda se entregou a tristeza. Festas e bebidas foram tu...