Camila
— Você deveria fazer um prato — digo para Shawn quando ele surge no corredor. — Dina cozinha muito bem. Até melhor do que Marta. Mas não diga a Marta que eu falei isso. — Enfio uma enorme colherada da caçarola de feijão na boca.
Dina, sentada ao meu lado no sofá, aponta para Shawn.
— Ela é suspeita. Mas, se você está com fome, é melhor comer antes que acabe.
— Precisamos conversar — anuncia Shawn, de pé no meio da sala e bem na frente da TV.
Não gosto do tom dele.
— Tudo bem — digo, desencostando do sofá e deixando o prato na mesinha de centro. — Sobre o quê?
Shawn olha de relance para Amelia. Ela está sentada na poltrona à minha frente, pegando um pedaço de pão de milho. Tenho a sensação de que ele não quer que ela ouça a conversa.
— Amelia — diz Shawn, enfiando a mão no bolso de trás da calça e pegando a carteira de couro —, preciso que você saia um pouco de casa. — Ele mexe na carteira, tira um pequeno maço de notas de 100 dólares e o deixa na mesa diante dela. — Se você não se importar.
Amelia olha para o dinheiro, apoia o garfo no prato e conta as cédulas.
— Sem problemas — concorda ela, com um sorriso satisfeito. Então se levanta, pega o prato e a lata de refrigerante e desaparece na cozinha.
Ouço o garfo raspando os restos de comida do prato para o lixo e a cerâmica tilintando no fundo da pia. Amelia passa por nós e segue até o corredor.
— Mas preciso que você saia agora mesmo — reitera Shawn. — Não precisa trocar de roupa nem se arrumar.
— Posso pelo menos calçar a droga de um sapato? — pergunta ela, ríspida.
— Claro — responde, assentindo. — Mas, por favor, não demore.
Amelia vai até o fim do corredor, resmungando irritada. Minutos depois, ela liga o carro e vai embora.
Shawn olha para mim e para Dina.
— Não podemos ficar tanto tempo quanto o planejado — informa ele.
Dina também larga o prato e suspira com tristeza.
— Por que não? — pergunto.
— Surgiu um problema.
Olho para o meu prato, e o brilho metálico do garfo perde foco à medida que mergulho em pensamentos. Achei que teria tempo para encontrar a forma certa de contar para Dina tudo o que eu planejava contar. Agora estou desesperada tentando imaginar como começar a primeira frase.
— Dina — digo, respirando fundo. Eu me viro de lado para encará-la. — Eu matei um cara, meses atrás. — O rosto de Dina parece ficar rígido. — Foi em legítima defesa. Eu, hum... — Olho para Shawn. Ele assente de leve, me motivando a continuar e garantindo que está tudo bem, embora eu saiba que ele não concorda cem por cento com o que estou fazendo. — Aliás, também matei um cara em Los Angeles na noite em que Dahlia e Eric foram encontrados mortos.
Dina ergue a mão enrugada e cobre a boca.
— Ah, Camila... Você... o que você está...
— Dahlia e Eric foram assassinados por minha causa — interrompo, porque é evidente que ela não sabe o que dizer. — Não só a polícia de Los Angeles está atrás de mim para me interrogar, já que eu estava com eles, mas também os homens que mataram os dois estão na minha cola. É por isso que você está aqui.