Camila
Dois dias já se passaram sem novidades, e estou cada vez mais inquieta sozinha neste casarão, com as altas paredes amarelas e o chão de terracota como minhas únicas companhias. Não consigo passar muito tempo vendo TV, embora após gastar a maior parte da juventude presa no México, apenas com novelas mexicanas como diversão, fosse de esperar que a TV americana me parecesse um luxo bem-vindo. Mas me cansei dela em pouco tempo, depois que comecei minha vida temporária com Dina no Arizona, oito meses atrás. Tampouco tenho costume de ouvir rádio, o que faço muito de vez em quando. Mas eu tinha começado a tocar mais piano. Sempre vou amar piano. Eu até gostaria que Shawn tivesse um aqui na casa, para que eu pudesse tocar.
Ando descalça pelo casarão, verificando mais uma vez se todas as portas e janelas estão trancadas. Mas é a última vez que verifico, pois me recuso a ficar paranoica, mesmo em nome de Shawn e de sua às vezes peculiar, mas sempre incessante, preocupação comigo. Só que não posso negar que gosto disso nele.
Penso muito no que Shawn me disse antes de viajar. Quero mais do que tudo, neste momento, entender o significado daquelas palavras enigmáticas. Sinto que ele está me testando de novo. Por isso meus instintos estão gritando comigo. Mas o que mais me preocupa é que, lá no fundo, sei que este teste tem muito a ver com Fredrik. Estou começando a me perguntar até onde Shawn é capaz de chegar para me treinar.
E estou começando a me perguntar quanto ele realmente confia em mim...
Horas depois, no fim da tarde, quando decido que vou ceder e suportar uma horinha de TV, ouço um carro estacionando lá fora, na frente da casa, pequenos pedaços de brita estalando sob os pneus. Corro para a janela para ver quem é.
Meu coração pula quando vejo a maçaneta em forma de alavanca da porta da frente girar ao ser destrancada por fora. Só consigo pensar em por que Shawn deu uma chave para Fredrik.
— Aí está você, gata — diz Fredrik ao entrar na sala, o cabelo escuro e volumoso sempre arrumado como se ele tivesse acabado de sair do cabeleireiro.
— O que você está fazendo aqui? — pergunto, fingindo não saber e fracassando ao tentar esconder o nervosismo na voz.
Lanço um olhar rápido para o sofá, onde escondi uma 9mm debaixo de uma almofada, e para perto do corredor, onde um pequeno aparador esconde um .38 na gaveta. São algumas das várias armas que espalhei pela casa. Todas carregadas. Nesta vida, não existe isso de trava de segurança.
— Shawn não explicou? — pergunta Fredrik, abrindo os botões dos punhos de sua camisa social e arregaçando as mangas até os cotovelos. — Vou ficar com você até ele voltar. Você deixa a calefação muito forte, está muito calor aqui. — Ele passa o dedo indicador por dentro do colarinho, afastando o tecido do pescoço com uma expressão de desconforto.
— Sinto muito. Eu fico resfriada com facilidade.
Fredrik sorri, passa por mim e vai para a sala de estar. Eu o sigo, de olho em cada movimento. Sinto que não devo confiar nele, mas a verdade é que confio, sim. Minha insegurança me deixa confusa.
— Você podia pelo menos abrir umas janelas — sugere ele.
Fredrik dá a volta no sofá de couro marrom-amarelado e abre os trincos da janela alta atrás dele. Uma brisa leve entra, fazendo flutuar a cortina bege e diáfana que a cobre. Depois faz o mesmo com a janela ao lado.
Ele está usando uma calça informal marrom-escura e uma camisa branca cujo tecido fino deixa transparecer o contorno dos músculos do peito e dos braços. Um par de mocassins de couro marrom calça seus pés sem meias. O cabo de uma arma sai da parte de trás da calça, presa com firmeza pelo cinto.