Camila
A caminho de um hotel onde vou me hospedar enquanto Shawn e Fredrik procuram David, Shawn me conta sobre Fredrik.
— Meu Deus... Shawn, por que ele torturaria a própria mulher? — pergunto do banco do passageiro. — Eu... eu não consigo imaginar por quê...
— Ele não teve escolha — interrompe. — Anos atrás, Fredrik era só um contato. Nunca interrogava nem matava ninguém. Cuidava de um abrigo em Estocolmo. E foi assim que ele conheceu Seraphina.
— Ela era uma agente?
Shawn assente.
— Trabalhava para Vonnegut, como eu — continua ele, virando na rua Canal. —Depois de alguns anos de visitas de Seraphina, eles se apaixonaram. Mas, por estarem na Ordem, como você sabe, não podiam deixar que ninguém soubesse dos sentimentos que tinham um pelo outro. Casaram-se em segredo, não no cartório, é claro. Então, depois de dois anos juntos, Fredrik começou a desconfiar que Seraphina estava enganando Vonnegut.
— Mas, se Fredrik a amava, por que contaria para Vonnegut? — pergunto, presumindo que é isso que ele ia dizer em seguida.
— Ele não contou. Fredrik confrontou Seraphina. Ele queria primeiro fazê-la parar, salvá-la de ser eliminada pela Ordem. Ela admitiu que tinha sido empregada por outra organização e estava trabalhando contra Vonnegut. Como Fredrik não conseguiu fazê-la mudar de ideia, em vez de denunciá-la, porque amava muito a esposa, acreditou nas mentiras dela e começou a trabalhar com ela.
Meu coração afunda até o estômago, sabendo no que essa história vai dar. Os pedaços do quebra-cabeça chamado Fredrik Gustavsson enfim começam a se encaixar.
— Ela traiu Fredrik — digo, desta vez sabendo que estou certa.
— Sim. Seraphina começou a usar Fredrik para transmitir informações falsas sobre suas missões a Vonnegut. Então, pelo que entendi, ela começou a visitar Fredrik cada vez menos. Resumo da história: ele levou seis meses para descobrir aonde ela estava indo. Ele a encontrou em outro abrigo. Com outro homem. O resto você deve imaginar.
Balanço a cabeça, pensativa, tentando entender esse buraco no coração que sinto por Fredrik.
Seguimos até o fim da rua Poydras e estacionamos perto de um hotel à beira do rio. Shawn desliga o motor e nós ficamos sentados na penumbra por um momento.
— Como estava cego de fúria e dor pela traição de Seraphina, Fredrik... —Shawn olha pelo para-brisa, perdido nas lembranças daquele dia. — Foi como se alguém tivesse acionado um interruptor no cérebro dele. — Olha para mim, tentando não se apegar aos detalhes da lembrança para conseguir continuar a história. — Ele interrogou e torturou os dois. Matou o homem na frente dela, esperando que isso bastasse para fazê-la ceder, porque não queria matá-la. Mas Seraphina não cedeu. Era mais leal a seu empregador do que a Fredrik, o homem que ela dizia amar. Ela o destruiu. Ele nunca mais foi o mesmo. Isso foi há muito tempo.
Olho para baixo, ainda com o rosto de Fredrik na mente, e balanço a cabeça de novo, sem querer acreditar em nada daquilo.
— Por isso ele é daquele jeito? — Olho para Shawn enquanto ele tira a chave da ignição.
— Acho que isso teve um papel importante na transformação dele. Seraphina foi a primeira pessoa que ele interrogou, além da primeira e única que ele não foi capaz de dobrar. Depois daquele dia, quando Fredrik contou a Vonnegut sobre a traição de Seraphina e garantiu seu lugar na Ordem, ele pediu para realizar missões de campo, em vez de ser só o contato em um dos abrigos. Vonnegut concordou, e, alguns anos depois, Fredrik era oficialmente um interrogador.