Shawn
— Desculpa — pede ela, com nada além de ternura. — Mas eu precisava saber o que você sentia de verdade, Shawn.
Eu me sento na cadeira de ferro preto do pátio, esticando as pernas. Colocando o cotovelo no braço da cadeira, apoio a cabeça exausta nas pontas dos dedos.
Camila se ajoelha na minha frente, no meio das minhas pernas estiradas.
— Ficar com você significa mais para mim do que fazer parte do seu trabalho. Eu precisava saber que você quer de mim a mesma coisa que quero de você. E... quando estamos juntos, sempre sinto que sou mais parte do seu trabalho do que do seu coração.
Ela tenta encontrar meu olhar, mas estou concentrado demais no chão de concreto. Ouço cada palavra que diz, mas ainda estou muito perplexo com as emoções que ela arrancou de mim para olhá-la nos olhos.
Sinto que não consigo encará-la. Não por estar com raiva dela, mas por vergonha.
— Você tem sido impenetrável desde o dia em que nos conhecemos — continua ela, segurando minha mão. — A única situação em que sinto uma ligação emocional de verdade com você é quando dormimos juntos. Eu ficava muito frustrada. Porque sabia que, por baixo de todas essas suas camadas, isto, isto aqui... — ela aperta meus dedos enfatizando essas palavras — ... que você acabou de me mostrar estava lá o tempo todo, só querendo ser libertado. Eu... Shawn, por favor, olha para mim.
Relutante, levanto a cabeça e a olho nos olhos.
— Eu não quero ser o seu trabalho. Quero trabalhar com você. Quero aprender com você. Mas quero sentir que sou importante do ponto de vista emocional quando o trabalho não estiver interferindo. Shawn, eu sei que não é culpa sua. Sei que você não pode mudar seu jeito, o modo como você se isola emocionalmente do mundo. Mas eu precisava tentar ajudar a desfazer o que Vonnegute a Ordem fizeram com você.
— Você me manipulou — afirmo, sem dizer mais nada.
Ela abaixa o olhar.
— Desculpa.
— Não peça desculpas. — Ergo as costas da cadeira, inclinando o corpo para a frente e enfiando as mãos sob os braços de Camila. Eu a levanto e a ponho no meu colo.— Nunca peça desculpas.
Com uma das mãos, viro o queixo dela na minha direção, para fazê-la me olhar.
— Você fez o que precisava fazer — digo, e espero que ela se lembre disso mais tarde. — Não posso culpar você.
— Não está bravo? — pergunta ela.
Balanço a cabeça.
— Não. Acho que "grato" é um termo melhor.
Ela sorri. Eu também sorrio e a beijo.
— Parece que estamos ajudando um ao outro.
Ela inclina a cabeça, pensativa, e presta atenção.
— Camila, eu estou ajudando você a se tornar o que quer ser, a viver a vida que escolheu viver. Você nunca teve direito de escolha antes. E você está me ajudando a recuperar o tipo de vida que tiraram de mim, me mostrando como é ser algo mais do que um assassino, a sentir algo mais do que a necessidade de matar. E, por isso, eu jamais poderia ficar bravo com você.
Ainda acomodada na minha perna esquerda, ela se curva e me beija de leve no canto da boca. Seguro sua cintura com as duas mãos, entrelaçando os dedos. Ficamos assim em silêncio por alguns momentos. O sol já sumiu do horizonte e as estrelas estão acordadas na escura imensidão do céu que paira acima de todos nós, em uma exuberância de tirar o fôlego.